Historical
and Legal Emergence of the Accessibility Concept: From the Medical Model to the
Social Model of Disability
Jackeline Susann Souza da Silva[1]
RESUMO
A
acessibilidade é um dos princípios fundamentais para a efetivação de políticas
de inclusão e desenvolvimento humano. Este conceito nasceu das necessidades de
reintegração do pós-guerra e da reivindicação dos movimentos em favor dos
direitos das pessoas com deficiência. No âmbito dos sistemas de ensino, a
aplicabilidade da acessibilidade é o que promove o acesso e a permanência à
educação de grupos vulneráveis através da eliminação de obstáculos visíveis,
como barreiras arquitetônicas, e invisíveis, como a discriminação velada nas
relações interpessoais. Este texto tem como propósito analisar a acessibilidade
no contexto da educação, com destaque ao decreto 5.296/2004 e a Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). O investimento no conceito de acessibilidade é um avanço na concepção
sobre a deficiência, pois rompe com a ideia de que esta é uma característica
isolada de fatalidade ou incapacidade. Avalia-se agora a deficiência como parte
de uma identidade constituída em meio à exclusão e às barreiras sociais,
consequentes da falta da acessibilidade. Com o impacto das diretrizes para
inclusão, a acessibilidade passa a ser explorada nos discursos oficiais como condição de acesso aos ambientes, aos
sistemas de comunicação e informação e aos direitos humanos. Assim, tornou-se
um conceito-chave na vida de pessoas com deficiência, por ser a condição que
lhes proporciona a dignidade e igualdade de oportunidade de participação
social.
PALAVRAS-CHAVE: acessibilidade, deficiência, adaptação razoável, educação.
ABSTRACT
Accessibility is
one of the fundamental principles for the implementation of inclusion and human
development policies. This concept was born from the reintegration needs of the
postwar period and the claim of the movements for the rights of persons with disabilities.
Within the school systems, the applicability of accessibility is what promotes
access to education and permanence of vulnerable groups by eliminating visible
obstacles, such as architectural barriers, and invisible, such as veiled
discrimination in interpersonal relationships. This paper aims to analyze the
accessibility in the context of education, particularly the Decree 5,296/2004
and the Convention on the Rights of Persons with Disabilities (UN, 2006). The
investment in the concept of accessibility is a breakthrough in the conception
about disability, for it breaks with the idea that this is one isolated
characteristic of fatality or incapability. Disability is now evaluated as part
of a constituted identity amid the exclusion and the social barriers, resulting
from the lack of accessibility. With the impact of the guidelines for
inclusion, accessibility becomes present in the official discourses as a condition of access to physical
environments, to information and communications systems and to the human
rights. Thus, it has become a key concept in the lives of persons with
disabilities, for being the condition that gives them the dignity and
opportunity equality of social participation.
KEYWORDS: accessibility, disabilities, reasonable
adaptation, education.
** Publicado em: https://www.researchgate.net/profile/Jackeline_Silva2/publications
INTRODUÇÃO
O
conceito de acessibilidade se aplica nas diferentes áreas de conhecimento, por
isso tornou-se uma área interdisciplinar, articulando produções das Ciências
Sociais e Humanas, das Ciências Exatas e Tecnológicas, por exemplo, Pedagogia,
Linguística, Comunicação, Arquitetura, Engenharia e Ciências da Computação
(LIPPO, 2012). Além de sua abrangência conceitual, a acessibilidade é
transversal na vida de todas as pessoas, independentemente de possuírem uma
deficiência, porque sua aplicabilidade melhora a qualidade de vida em todas as
dimensões. O conceito de acessibilidade considera, portanto, desde a
transformação dos ambientes, investimento em tecnologias até a mudança de
atitude frente às diferenças humanas.
Na
vida de pessoas com deficiência a aplicabilidade da acessibilidade é um
princípio fundamental, porque lhes dar condição para a vivência da cidadania
através do acesso, entre outras esferas da vida, aos ambientes, à educação, à
saúde, ao lazer, ao emprego, à informação, à comunicação, à tecnologia, à
amizade e a relações amorosas.
A
acessibilidade está associada ao princípio da inclusão social, movimento que
olha para a exclusão externa ao indivíduo e por isso reivindica a participação
de toda e qualquer pessoa, sem discriminação a partir da efetivação dos
direitos humanos. No Brasil, o marco político e legal passa a citar fortemente
a inclusão no final do século passado (BRASIL, 1988, 1996, 2000, 2004, 2005,
2008, 2009, 2011). Já a acessibilidade apareceu diretamente com a publicação
das leis n° 10.048/00, n° 10.098/00 e o Decreto n° 5.296/2004.
No
âmbito da educação, as leis de acessibilidade destacam a necessidade de
eliminação de barreiras institucionais que impedem a pessoa com deficiência ou
mobilidade reduzida de frequentar a escola e ter acesso igualitário aos
serviços, ambientes, interação e atividades. A lei destaca que as mudanças
devem ocorrer em qualquer nível ou modalidade de ensino (BRASIL, 2000; 2004;
2009).
A
despeito do avanço político e legislativo do país ao determinar, há mais de uma
década, a acessibilidade como um direito, na prática este direito ainda está
distante de ser efetivado e a interpretação do texto oficial é mínima e
superficial. As mudanças resumem-se a pequenos ajustes arquitetônicos, como a
disponibilização de rampas, muitas vezes, construídas fora do padrão da
Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT) (SILVA, 2014). A falta de
disseminação do conceito de acessibilidade nas mídias, nas instâncias
legislativas e judiciárias e nas instituições educacionais – especificamente
nos cursos superiores que formam profissionais para atuarem diretamente na
modificação dos ambientes e na construção de tecnologias de acessibilidade –
vem dificultando a execução das leis ou sua aplicabilidade ineficiente.
Este
texto tem como objetivo discutir sobre o conceito de acessibilidade no contexto
educacional, destacando a publicação do Decreto n° 5.296/2004 e da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). Na educação, as
condições de acessibilidade envolvem as dimensões do/a: (a) Acesso: refere-se à
acessibilidade na matrícula da educação básica, no vestibular e na inscrição no
ensino superior; (b) Permanência: é o direito de estar na escola em
condições de igualdade com as demais pessoas a partir da acessibilidade
arquitetônica, comunicacional, informacional, tecnológica,
pedagógico-curricular e atitudinal; (c) Aquisição
curricular: esta dimensão
destaca a existência da oportunidade de aprendizagem, na qual os/as estudantes
com deficiência não encontram barreiras nas aulas, nos ambientes, nas relações,
nos processos avaliativos e na transitoriedade de séries/etapas/anos/níveis de
ensino (AINSCOW, 1993; FERREIRA, 2006).
Na primeira parte deste artigo apresentamos as primeiras
definições do termo acessibilidade. No segundo momento destacamos o texto das
primeiras Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a ausência de
abordagem da acessibilidade no período da integração educacional. Na terceira
parte é discutida a influência das diretrizes para inclusão na concepção da
acessibilidade do marco legal brasileiro deste século. No quarto tópico a
acessibilidade é refletida à luz do princípio da razoabilidade da Convenção da
ONU de 2006. Por último retomamos os pontos principais deste texto nas
conclusões gerais.
Emergência
Histórica e Primeiras Definições de Acessibilidade
A palavra ‘acessibilidade’ vem do latim accessibilitas
e deriva da palavra ‘acesso’ (do latim accessus)
que significa o “ingresso, o caminho, o ato de chegar e se aproximar; o
usufruto de alguma coisa” (WIKTIONARY online,
2015). O termo
‘acessibilidade’ começou a ser utilizado na década de 1940 como reivindicação
em favor da reintegração social dos mutilados da Segunda Guerra Mundial. Este
conceito nasceu da necessidade de reabilitação física e reintegração produtiva
dos homens que arriscaram suas vidas pela pátria e por isso tiveram
consequências marcadas em seus corpos (SILVA, 2015).
Na década
de 1950, os obstáculos arquitetônicos passaram a ser visíveis as pessoas com
deficiência, seus profissionais e familiares, que os percebiam como impeditivos
à reintegração social (SASSAKI, 2004). Desta forma, chegou-se a conclusão que não
adiantava simplesmente a reabilitação da pessoa com deficiência se esta não
vivesse acompanhada de um ambiente livre de barreiras.
Dez anos
mais tarde, universidades norte-americanas iniciaram um processo de
transformação para se tornarem acessíveis e o termo acessibilidade começa a ter
destaque no contexto acadêmico (SASSAKI, 2004). Em 1970 foi construído o
primeiro Centro de Vida Independente (CVI) americano, a partir do qual se
intensificou a discussão sobre as necessidades de mudanças arquitetônicas para
que pessoas com deficiência pudessem fazer uso dos espaços sociais, incluindo
os espaços educacionais (idem).
No
Brasil, o primeiro CVI foi fundado somente em 1988, no Rio de Janeiro, pela
jornalista Rosângela Berman Bieler, uma das fundadoras e ativistas no movimento
pelos direitos das pessoas com deficiência no país. Os CVI não têm fins
lucrativos e prega a filosofia da promoção da vida independente e com qualidade
às pessoas com deficiência, apoiam na oferta de serviços de informações,
suporte e encaminhamento institucional[2].
Com o lançamento
em 1981, pelas Nações Unidas, do Ano Internacional das Pessoas Deficientes
(AIPD) (ONU, 1981) iniciaram-se campanhas mundiais caracterizando a urgência da
construção de uma sociedade acessível às pessoas com deficiência. Para
responder a esta chamada internacional o governo brasileiro estabeleceu metas
com enfoque na remoção das barreiras arquitetônicas, nas
residências e repartições públicas como escolas, bibliotecas, fábricas, lojas,
cinemas, teatros, aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias. Apesar disto, as diretrizes para acessibilidade somente foram
incorporadas à legislação brasileira depois de vinte anos com a publicação das
leis n°
10.048/00, n° 10.098/00.
Este breve retomada histórica mostra que o conceito
de acessibilidade surgiu na reintegração masculina, daqueles que adquiriram uma
deficiência na guerra e que por isso precisavam do reconhecimento social
através de serviços de saúde, de assistência produtiva e de mudanças
arquitetônicas. No pós-guerra, os diferentes movimentos das pessoas com
deficiência se apropriaram deste conceito pela sua importância para a garantia
dos direitos humanos a este grupo (FERREIRA, 2006; SILVA, 2014). Com isto, este
tema fez parte dos acordos internacionais da ONU, com a atenção à acessibilidade
na comunicação e informação das pessoas surdas e cegas (ONU, 1981; 2006; SASSAKI, 2004;
SILVA; 2015).
É importante destacar que, quando o movimento das
pessoas com deficiência se apodera da concepção de acessibilidade há uma
ruptura de paradigma conceitual sobre a própria deficiência, porque esta passa
a ser vista além das características médico-patológicas (FERREIRA, 2006,
SOARES, 2010). Isto quer dizer que, as barreiras que restringem à inclusão
social das pessoas com deficiência ganharam visibilidade e a ideia de ‘tragédia
pessoal’, que condenava à pessoa com deficiência a exclusão, passou a ser
contestada pelo movimento (OLIVER, 1983).
Até aqui, tratamos das primeiras definições de
acessibilidade no cenário mundial. A seguir analisamos a evolução da concepção
de acessibilidade apresentada no texto da legislação brasileira a partir dos
momentos históricos de concepção da integração e inclusão das pessoas com
deficiência no sistema regular de ensino.
Modelo Médico da Deficiência e
a Ausência da Acessibilidade na Integração Educacional
Desde
l950 a acessibilidade foi mencionada nos referenciais internacionais (SASSAKI, 2004; ONU, 1981). No Brasil, o texto
da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 4.024/61 indicou
a integração das pessoas com deficiência, chamadas de ‘excepcionais’, no
sistema de educação formal, no entanto, sem nenhuma menção à acessibilidade ou
quaisquer modificações estruturais para receber esses/as alunos/as: “A educação de excepcionais deve, no
que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de
integrá-los na comunidade” (BRASIL, 1961, art. 88). Assim, a educação só era
aplicada como um direito às pessoas com deficiência que se adequassem ao
ambiente escolar.
Em
1971, a Lei 5692 (art. 9°) revogou a LDB de 1961 e estabeleceu que os/as
alunos/as com “deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso
considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados” teriam o direito a um ‘tratamento
especial’. Mas, assim como na primeira LDB esta nova lei não trouxe
especificações sobre a mudança do sistema de ensino formal para receber os/as
estudantes com deficiência, prevalecendo à concepção cultural de que o
‘problema’ estava na pessoa com deficiência ao invés de no ambiente excludente.
Até
antes da Constituição Federal (BRASIL, 1988) a matrícula do/a aluno/a com
deficiência era facultativa, isto porque as primeiras leis nacionais de educação
não obrigavam os sistemas de ensino a aceitar a matrícula de estudantes com
deficiência caso estes/as não se adequassem ao sistema regular. A educação para
uma parte desta população era fornecida por organizações não governamentais ou
pela iniciativa privada.
Quando
aceitos/as no sistema regular de ensino os/as estudantes com deficiência eram
integrados em espaços segregados ou em ‘salas especiais’, fora do convívio dos/as
alunos/as sem deficiência. O período da integração reforçou a visão médico-patológica
da deficiência, em que ganha destaque a marca da ‘anormalidade’ (PINTO, s/d).
Isto quer dizer que, neste momento, eram os/as estudantes com deficiência que
deveriam se adequar ao ambiente escolar e ao mundo ‘normal’, por isso a
acessibilidade era um conceito inexplorado na legislação e políticas
educacionais.
A
década de 1990 foi marcada pelo resgate e avanço das discussões acerca dos
direitos humanos. O discurso oficial internacional (ONU, 1993, 1994, 2006)
passou a defender a inclusão, liberdade, igualdade e democracia em todas as
instâncias sociais. Por isso, metas para (re)formulações legislativas e construção
de ações afirmativas em prol de grupos oprimidos foram foco da política
educacional de inclusão brasileira. Neste momento, a palavra acessibilidade foi
inserida na legislação nacional, conforme apresentado a seguir.
Influência do Paradigma da Inclusão nas Diretrizes de
Acessibilidade
Em
1988, foi promulgada a Constituição Federal que determina o princípio da
igualdade perante a lei, definindo os mesmos direitos e deveres sem que seja
permitido qualquer tipo de distinção com base na origem, sexo, cor, idade ou
quaisquer outras formas de discriminação, como a deficiência. Esta
especificação foi importante para o país porque trouxe desdobramentos para as
políticas de inclusão nos espaços sociais e educacionais nos anos posteriores.
Influenciada
pelo texto da Constituição no ano seguinte, a Lei 7853/89 instituiu a
Coordenadoria Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE).
Primeiro órgão do governo federal responsável por assegurar diretamente os
direitos das pessoas com deficiência. O artigo 8° (inciso 1) desta lei
representa um significativo avanço no marco legal, porque o texto criminaliza e
penaliza a discriminação e a exclusão de acesso à educação baseadas na
deficiência:
Art. 8º Constitui crime punível com reclusão de 1(um) a 4(quatro) anos,
e multa:
recusar, suspender, procrastinar, sem justa causa, a inscrição de aluno em
estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, por
motivos derivados da deficiência que porta (BRASIL, 1989, art. 8°).
Com essas
duas leis o Brasil assume o compromisso do acesso à matrícula no ensino regular
aos/as alunos/as com deficiência. Mais tarde, este compromisso se estende para
a garantia da qualidade da oferta dos serviços educacionais e permanência na
escola em condição de igualdade com as demais pessoas (ONU, 2006; BRASIL, 2004;
2008; 2009).
No âmbito
internacional, o documento intitulado Normas sobre a Equiparação de Oportunidade
para Pessoas com Deficiência (ONU, 1993) lança um conjunto de padrões de qualidade
relacionados à acessibilidade, educação, emprego, seguridade social,
integridade pessoal, cultura, recreação, esporte e religião. Este documento
reconhece a importância fundamental da acessibilidade para a promoção da
igualdade de oportunidade para as pessoas com deficiência em todas as esferas
sociais. As principais metas para a acessibilidade estão relacionadas à criação
de programas de ação destinados à construção do meio físico acessível e à
adoção de medidas para garantir o acesso à informação e à comunicação,
inclusive nos espaços educacionais públicos e privados (ONU, 1993).
As
Normas sobre a Equiparação de Oportunidade para Pessoas com Deficiência (ONU,
1993) foram reforçadas e ampliadas, em 1994, com a publicação da Declaração de
Salamanca: Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades
Educativas Especiais (ONU, 1994). A Declaração traz o princípio da inclusão que
passa a constituir a diretriz principal de orientação ao acesso e participação
das pessoas com deficiência no sistema educacional. Esta diretriz indica que as
instituições educacionais devem se tornar acessíveis por meio da flexibilização
e adaptação com a finalidade de incluir os/as estudantes com alguma necessidade
educacional, que são:
deficientes e superdotados, de rua e que trabalham,
de origem remota ou de população nômade, pertencentes a minorias linguísticas,
étnicas ou culturais, e de outros grupos desavantajados ou marginalizados
(...). Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e portanto
possuem necessidades educacionais especiais em algum ponto durante a sua
escolarização. (ONU, 1994, p. 3).
O
diferencial da Declaração de Salamanca (ONU, 1994), ao abranger uma diversidade
de características e condições linguísticas, étnicas, culturais,
socioeconômicas e habilidades cognitivas, é que ela revela a característica
excludente da educação formal com relação aos estudantes de grupos específicos.
Embora não traga a definição do conceito de acessibilidade no seu texto, a
Declaração de Salamanca (ONU, 1994) olha para os processos excludentes que
estão fora da marca individual e isto induz a ações de modificações estruturais
e relacionais na forma de organização da educação comum.
O
impacto e a importância das diretrizes internacionais para as políticas e ações
em prol da inclusão educacional no Brasil podem ser verificados de forma
consistente na LDB 9.394/1996, que tem um capítulo inteiro dedicado a legislar a
educação das pessoas com deficiência na educação: Capítulo V da Educação Especial.
A LDB (BRASIL, 1996) reconhece a educação especial como uma modalidade de
ensino que deve ser ofertada desde a educação infantil até o ensino superior.
Com
a publicação da Lei 10.098/00, a legislação nacional passa a determinar normas
gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade, visando a
supressão de barreiras e obstáculos nos espaços públicos. Quatro anos mais
tarde, esta lei é regulamentada pelo Decreto 5296/2004 e a acessibilidade passa a ser
legitimada como atendimento
prioritário, assim como mudanças arquitetônicas, nos equipamentos e nos
sistemas de comunicação e informação em espaços públicos e privados em prol das
pessoas com deficiência e mobilidade reduzida, caracterizadas como aquelas que
possuem “limitação ou incapacidade
para o desempenho de atividades” (BRASIL, 2004, Art. 5°, grifo meu). O artigo 8° do decreto define acessibilidade como
Condição para utilização, com segurança e
autonomia, total ou assistida, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos,
das edificações, dos serviços de transporte e dos dispositivos, sistemas e
meios de comunicação e informação, por pessoa portadora de deficiência ou com
mobilidade reduzida (BRASIL, 5.296/04, Art. 8°).
Vale
destacar que o uso do termo ‘pessoas portadoras de deficiência’ não deve ser
mais usado no discurso público a partir da publicação da Portaria 2344 de 3 de
novembro de 2010. Dessa forma, este termo tem sido extinto dos documentos
oficiais porque se subentende que a pessoa ‘porta’ a deficiência, como algo que
está fora dela e que pode ser eliminado. Para efeitos civis, a partir da
publicação da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU,
2006) ficou determinado o uso do termo pessoa
com deficiência, pois a deficiência é parte da pessoa, mas não a adjetiva,
isto é, não é a característica identitária única desta população.
A definição de acessibilidade do
decreto 5296/2004 (BRASIL, 2004) traz
duas palavras que merecem destaque: segurança e autonomia, que são princípios
assegurados na Constituição Federal (BRASIL, 1988) relacionados à liberdade, à
igualdade, à cidadania, à dignidade e ao bem-estar. Sob esta ótica a
acessibilidade ganha uma dimensão humano-social, que envolve a garantia de
direitos humanos às pessoas que extrapolam a dimensão material (SILVA, 2014).
Este reconhecimento no texto legal tornou-se relevante porque questiona a não
naturalidade do ambiente, mas, ao contrário, sua construção social. Neste
momento, a acessibilidade se amplia enquanto conceito, ao incluir além da
estrutura arquitetônica, outros elementos como os mobiliários, os equipamentos,
os transportes e os sistemas de comunicação e informação para pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida.
Com a publicação das leis de
acessibilidade a definição da acessibilidade no sistema de ensino passa a
considerar a autonomia e a segurança das pessoas com deficiência nos espaços e
equipamentos diversos como salas de aulas, auditórios, corredores,
estacionamentos, calçadas; nos mobiliários: carteiras, mesas, lousas,
bebedouros; e nos meios e sistemas de comunicação e informação como telefones
públicos, livros, computadores, TV, vídeo, rádio, internet. Assim como, na
eliminação de barreiras de discriminação nas relações interpessoais (BRASIL,
2000, 2004, 2008, 2009).
Segundo o decreto de acessibilidade
(n°
5296/2004),
cabe ao poder público monitorar e avaliar as diretrizes de acessibilidade, o
cumprimento das regras de acessibilidade arquitetônica, a comunicação e informação
a partir dos princípios estabelecidos no próprio decreto e pelas determinações
da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
O mesmo decreto de acessibilidade
define o público-beneficiário a partir de características médicas das
deficiências física, auditiva, visual, mental e múltipla, assim como das
pessoas com mobilidade reduzida, que mesmo não tendo deficiência encontram
dificuldade para se movimentar, têm problemas na coordenação motora e percepção
(BRASIL, 2004, Art. 5°).
O conceito de acessibilidade trazido
pelo decreto (BRASIL, 2004) é baseado
na condição individual medida por
características físicas das pessoas com deficiência, que devem estar incluídas
no ambiente[3]
modificado e livre de barreiras.
Posto que o decreto carrega a visão médica como determinante para fornecimento
da acessibilidade, os artigos são mais flexíveis às diferenças humanas quando
incorporam como beneficiárias outras pessoas que têm uma dinâmica de vida
diferente da maioria: as pessoas com mobilidade reduzida. As pessoas com
mobilidade reduzida são aquelas com idade igual ou superior a 60 anos,
gestantes e pessoas com criança de colo e todas as pessoas sem deficiência que,
em determinado momento de sua vida, apresentem uma condição temporária de
impedimento físico ou redução da mobilidade (BRASIL, 2004, Art. 5°).
A flexibilidade da lei de
acessibilidade (BRASIL, 2004) ao ampliar o público beneficiário da lei permite
a interpretação de que todos/as em algum momento da vida sentirão a necessidade
de ser contemplados pela acessibilidade seja em razão, por exemplo, de
gravidez, acidente ou por chegar à terceira idade; assumindo, portanto, a
relevância da acessibilidade na vida da população.
Adaptação Razoável e Equidade de Oportunidade
Pela
importância da acessibilidade na vida de pessoas com deficiência, este é um dos
oito princípios fundamentais defendidos pela Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência (ONU, 2006). No Brasil, o Decreto 6.949/2009 dá força constitucional à Convenção (ONU,
2006), documento que foi um marco na luta deste grupo social, porque passa a
compreender a deficiência dentro de relações sociais.
A
Convenção (ONU, 2006) reafirma o conteúdo da Declaração dos Direitos Humanos
(ONU, 1948), nos seus 47 artigos, para o pacto internacional na construção de
metas que garantam o usufruto dos bens econômicos, sociais, culturais e
educacionais ao grupo constituído por pessoas com deficiência:
O propósito da
presente Convenção é o de promover, proteger e assegurar o desfrute pleno e
equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por parte de
todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua inerente
dignidade. Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza
física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as
demais pessoas. (ONU, 2006, Artigo 1°).
Quando o governo brasileiro assinou a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006; BRASIL
2009) o Secretário dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi admitiu que quando não
há a acessibilidade significa que “há discriminação, condenável do ponto de
vista moral e ético e punível na forma da lei”. A ausência de acessibilidade, portanto,
é uma forma de discriminação, porque cotidianamente, de forma materializada ou
silenciosamente, nega às pessoas com deficiência o usufruto dos direitos
básicos e sua dignidade humana.
A dignidade humana é um dos princípios da
Constituição Federal e está relacionada às liberdades fundamentais de sociedades
democráticas (BRASIL, 1988), assumindo:
o respeito à dignidade
humana como fundamento para o ordenamento jurídico (...). O princípio [da
dignidade] traduz a repulsa constitucional às práticas, imputáveis aos poderes
públicos ou aos particulares, que visem expor o ser humano à posição de desigual
perante os demais, a desconsiderá-lo como pessoa, a reduzi-lo à condição de
coisa ou, ainda, a privá-lo dos meios necessários a sua manutenção. (SILVA,
2010, p. 583).
A pessoa com deficiência, como
ser humano, tem sido por séculos exposta a sólidas barreiras e mantidas em uma
posição de desigualdade com relação às pessoas sem deficiência. Reduzida à
condição de ‘deficiente’, este grupo social sistematicamente vive experiências
de discriminação, preconceito, exploração, negligência, abandono, segregação e
isolamento (AINSCOW, 1993; FERREIRA, 2006; SOARES, 2010; MELLO, FERNANDES,
2013), as quais juntas atentam contra a sua dignidade humana, representam a
violação de seus direitos constitucionais e comprometem a realização do seu
direito à cidadania.
A Convenção da ONU
(2006) destaca o compromisso político com o investimento na acessibilidade para
corrigir o contexto de desvantagem social a que o grupo de pessoas com
deficiência tem estado submetido historicamente, visando, dessa forma,
contribuir para garantir o status de
humanidade através de uma vida com direitos respeitados, qualidade, segurança e
liberdade. A propósito, o texto da Convenção (ONU, 2006) reconhece a
acessibilidade em todas as esferas sociais como o meio que garante a igualdade de oportunidades entre as
pessoas com deficiência e as demais pessoas.
Para o cumprimento da
acessibilidade este documento apresenta a definição de adaptação razoável, que significa
as modificações e os
ajustes necessários e adequados que não
acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso,
a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e
liberdades fundamentais. (ONU, 2006, p. 17, grifo
nosso).
A Convenção (ONU, 2006) destaca que
as instituições sociais que se negarem ou omitirem a ‘adaptação razoável’ estão
violando os direitos humanos das pessoas com deficiência em razão da
deficiência. O conceito de adaptação razoável amplia o que é definido como
acessibilidade no texto do Decreto 5296/2004 porque envolve mais que elementos
técnicos, comunicacionais, mobiliários e arquitetônicos universais, mas prevê a
modificação equitativa no contexto local, de forma a remover as barreiras
específicas à participação de cada pessoa com deficiência.
Acessibilidade
relacionada à equidade de oportunidade envolve a dinamicidade e multiplicidade do
cotidiano, o contexto local e o fornecimento daquilo que é necessário às
pessoas com deficiência com base em suas diferentes experiências de vida.
Carvalho, Andrade e Junqueira (2009) definem equidade como sendo a construção
da igualdade a partir do reconhecimento das diferenças. Isto quer dizer que, a
justiça social é feita através do reconhecimento das singularidades individuais
e coletivas, bem como da correção das desigualdades sociais que afetam uns
grupos mais que outros/as. Complementando tal
afirmação Boaventura Santos (1997, p. 16) afirma que
(...)
temos o direito de ser iguais sempre que as diferenças nos inferiorizem; temos
o direito ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracterize. Esse
direito deve ser analisado, avaliado e planificado conjuntamente a partir de
uma concepção de uma educação plena, significativa, justa, participativa; sem
as restrições impostas pela beneficência e a caridade; sem a obsessão curativa
(normalizadora), através da qual se apagam as singularidades. (SANTOS, 1997, p.
16).
Santos (1997) chama a
atenção para o plano consensual entre igualdade
e da diferença, que precisa estar
direcionado à justiça e à participação de todos os grupos. Em outras palavras,
a garantia igualitária dos direitos humanos depende da contextualização do
indivíduo na história do seu(s) grupo(s) social(is). Esse posicionamento nas
políticas de acessibilidade é relevante, pois ultrapassa o assistencialismo e
permite a afirmação identitária como forma de reivindicação dos direitos das
pessoas com deficiência.
Conclusões
Este
texto teve como propósito discutir o conceito de acessibilidade educacional no
contexto da legislação nacional. Como tratado neste artigo, o termo
acessibilidade começou a ser utilizado fortemente na Segunda Guerra Mundial e
passou a ser reivindicado pelo movimento das pessoas com deficiência como um
princípio relevante para a eliminação de obstáculos físicos.
No
período da integração educacional a acessibilidade foi inexplorada no discurso
oficial por causa da cultura de normalidade, que historicamente legitimou a
patologia da pessoa com deficiência como impeditiva ao seu acesso ou adaptação
ao sistema de ensino comum. As leis educacionais gradualmente
incorporaram a educação de pessoas com deficiência como parte do sistema comum,
no entanto, sem qualquer indicação de mudança estrutural.
Com o impacto das diretrizes para inclusão da
atualidade, o governo brasileiro publicou diversas leis, decretos e portarias
que enfocam a acessibilidade nos diferentes espaços. A acessibilidade é, então,
compreendida como a condição de
acesso aos ambientes, aos sistemas de comunicação e informação e aos direitos
humanos, especificamente a população de pessoas com deficiência ou com
mobilidade reduzida (BRASIL, 2000; 2004; 2009; ONU, 2006).
Merece destaque que, com a constitucionalização da
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006) o princípio
da razoabilidade fundamenta a aplicabilidade
da acessibilidade. Este princípio tem relevância legal e social, por introduzir
a acessibilidade no contexto das diferenças de oportunidade de acesso e
participação. Neste caso, a acessibilidade só é de fato garantida quando há a
equidade de oportunidade para que as pessoas com deficiência usufruam dos bens
materiais, sociais e simbólicos em condição de igualdade e com dignidade.
Com
o estudo da acessibilidade no contexto acadêmico este conceito passou a ser
desenvolvido em diversas áreas de conhecimento como Comunicação, Educação,
Tecnologia, Arquitetura e Engenharia (LIPPO, 2012). A incorporação da
acessibilidade na produção científica foi importante por ampliar sua aplicabilidade
e criticar a dinâmica social (idem). O investimento no
conceito de acessibilidade é um avanço na concepção sobre a deficiência, pois rompe
com a ideia de ser uma característica isolada de fatalidade ou incapacidade;
avalia-se agora a deficiência como uma identidade constituída em meio à exclusão
e às barreiras sociais, consequentes da falta da acessibilidade.
Portanto, a evolução do conceito de acessibilidade,
que antes focava apenas os serviços de saúde e as modificações arquitetônicas,
para uma concepção que parte do princípio da inclusão social, dignidade e
direitos humanos é benéfica por considerar os arranjos culturais que
historicamente colocaram as pessoas com deficiência à margem da sociedade: segregadas
ou excluídas por completo.
A
educação é uma via de acesso à informação importante para a disseminação e
conscientização da comunidade sobre o que
é e como desenvolver a
acessibilidade como um direito humano. Assim, o primeiro passo está na mudança
de valores que criam espaços e relações incapacitantes; é preciso o investimento
coletivo em oportunidades equitativas de aprendizagem e participação, o
reconhecimento positivo das diferenças humanas e a troca cultural pacífica
entre semelhanças e diferenças de pessoas, para o rompimento de padrões
culturais que são barreiras para o desenvolvimento integral de pessoas com
deficiência ou qualquer grupo vulnerável no sistema de ensino comum ou fora
dele.
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Disponível em: <https://pt.wiktionary.org/wiki/acessibilidade#Etimologia>
acesso em: 28 jun. 2015.
[1] E-mail: jackeline-susann@hotmail.com / Phone/WhatsApp: (83) 9 9677 3582 . Possui Mestrado em Educação pela Universidade Federal
da Paraíba (2014); é membro do Grupo de Estudo e Pesquisa CNPq Vozes, Inclusão,
Empoderamento e Direitos Humanos coordenado pela profa Windyz B. Ferreira; É professora
do curso de especialização Gênero e Diversidade na Escola promovido pelo Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulheres e Relações de Sexo e Gênero
(NIPAM) da UFPB; contribui com as publicações do Blog: http://vozesempoderamentoeinclusaodapcd.blogspot.com.es/p/pesquisadoras.html?m=1
[3] Ambiente
é aqui compreendido não apenas arquitetonicamente, mas como um conjunto urbano
e natural, de elementos que o compõem, como, por exemplo, mobiliários,
equipamentos, transportes, sistemas de comunicação e informação, objetos,
maquinários, serviços humanos, asfalto, degraus etc.
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