terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Relatório Educação para Todos no Brasil - 2000-2105


Em 2000, 164 países reunidos em Dakar assumiram o compromisso de perseguir seis metas de Educação para Todos até 2015. Tais metas estão relacionadas ao cuidado e à Educação Infantil; ao Ensino Fundamental universal; ao desenvolvimento de habilidades de jovens e adultos; à alfabetização de adultos; à paridade e à igualdade de gênero; e à qualidade da educação.

Aproximando-se do prazo para atingir essas metas, a UNESCO solicitou aos países que produzissem um relatório nacional para apresentar o que se alcançou no período (resultados) e como se alcançou (estratégias), bem como os desafios apresentados para o período pós-2015. 

O relatório do Brasil ora apresentado consiste em um balanço dos avanços obtidos ao longo dos últimos 15 anos em relação a cada uma das seis metas de Educação para Todos. O documento permite avaliar o caminho seguido pelo país desde 2000, as políticas e os programas implementados e seus principais resultados. Tal relatório servirá de subsídio para a elaboração do relatório da América Latina e os relatórios das diversas regiões do mundo contribuirão para uma avaliação da situação do conjunto de países que participam desse compromisso.

BRASIL. Relatório Educação para Todos no Brasil, 2000-2105. Ministério da Educação. – Brasília : MEC, 2014. 105 p. (ISBN: 978-85-60331-53-6) Disponível: http://unesdoc.unesco.org/images/0023/002326/232699por.pdf  Acesso: 23Fev2016.

_______________________________________________________________________


O que este relatório nos diz sobre as políticas e desenvolvimentos da educação brasileira para as pessoas com deficiência?!

O Relatório do Ministério da Educação, com a cooperação da UNESCO, é extremamente relevante para os profissionais da área de educação (gestoras/as, professoras/es e equipe técnica das escolas públicas) em geral porque apresenta o panorama da educação brasileira com dados sobre o seu desenvolvimentos n últimos 15 anos.

Todavia, o que ele mostra não é animador para as/os profissionais que atuam na área de educação e direitos da pessoa com deficiência, seus familiares e as próprias crianças, jovens e adultos com deficiência, como veremos a seguir, uma vez que apenas na pagina 89 há uma referência à esta população, quando o documento trata do (5.3.17.) Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, cujo texto está copiado a seguir:  



5.3.17. Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais 

Como medida de apoio à inclusão escolar, o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais foi instituído no âmbito da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL. MEC, 2008), por meio do Decreto nº 7.611/2011, com o objetivo de apoiar a organização e a oferta do atendimento educacional especializado para estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, matriculados no ensino regular. De acordo com as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado, Resolução CNE/CB nº 4/2009, esse atendimento tem função complementar ou suplementar à formação dos estudantes por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. 

Para atender a essa finalidade, foram implantadas 42 mil salas de recursos multifuncionais com equipamentos, mobiliários, materiais pedagógicos e recursos de acessibilidade, para, assim, contemplar a oferta do atendimento educacional especializado em 49% das escolas públicas de ensino regular com matrícula de estudantes (vide abaixo que este dado está errado!!!) que se enquadram no público-alvo da Educação Especial, localizadas em 93% dos municípios brasileiros.  Para essas escolas foram ofertados cursos de formação continuada para professores que atuam no atendimento educacional especializado, além de apoio financeiro para a garantia da acessibilidade arquitetônica nos prédios escolares e a aquisição de tecnologia assistiva. As estratégias, políticas e programas aqui apresentadas certamente não esgotam o leque de ações que o Brasil tem desenvolvido para alcançar os objetivos de EPT. Expressam, todavia, o caminho percorrido pelo país, que tem empreendido esforços consideráveis no sentido de ampliar o acesso e melhorar a qualidade de seu sistema educativo, aí incluindo as metas estabelecidas em Dakar. 
________________________________

Esses dados oficiais contidos neste importante relatório indubitavelmente explicitam o que está acontecendo na realidade educacional brasileira para as pessoas com deficiência: RETROCESSO E VIOLAÇÃO DE SEUS DIREITOS À EDUCAÇÃO NA ESCOLA REGULAR OU PRIVADA!!! Na mesma linha e confirmando a retração da política de inclusão de pessoas com deficiência na rede de ensino brasileira, o documento Censo Escolar da Educação Básica 2013 - Resumo Técnico (INEP, 2014 - http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/resumos_tecnicos/resumo_tecnico_censo_educacao_basica_2013.pdf) nem sequer menciona esta população na apresentação da Visão Geral dos Resultados com relação às Matrículas, conforme quadro abaixo. E. a razão pela qual não se aborda as matrículas de pessoas com deficiência na rede é porque o aumento é insignificante - 2,8%, percentual que estatisticamente representa zero!!! Veja no doc. os gráficos que bem mostram essa realidade: entre 2007 e 2010 há um aumento significativo, o qual começa a decair a partir deste ano .
___________________________________________

Visão Geral dos Resultados com relação às matrículas

Os dados do Censo Escolar 2013 reforçam a tendência de adequação na distribuição das matrículas da educação básica, por modalidades e etapas de ensino, que vem sendo observada desde 2007, refletindo o amadurecimento das ações e políticas públicas implementadas nos últimos anos. O decréscimo observado no quantitativo de matrículas da educação básica (Tabela 5), no valor de 1% e equivalente a 502.602 matrículas, decorre, principalmente, da acomodação do sistema educacional, em especial na modalidade regular do ensino fundamental, com histórico de retenção e, consequentemente, altos índices de distorção idade-série. Além disso, as matrículas na educação de jovens e adultos (EJA) mantiveram a tendência dos últimos anos e apresentaram queda de 3,4%, representando menos 134 mil matrículas no período 2012-2013.


Ao mesmo tempo, vale destacar a ampliação da oferta da educação infantil, em especial na creche, voltada para o atendimento das crianças com até 3 anos de idade, que apresentou crescimento da ordem de 7,5%. Por outro lado, a reorganização da pré- escola, que atende crianças de 4 e 5 anos, teve, com a implantação do ensino fundamental de 9 anos, parte do seu público-alvo transferido para o 1º ano do ensino fundamental, o qual passou a receber as crianças com 6 anos de idade. Em 2013, registra-se, ainda, que o contingente de alunos no 1º ano do ensino fundamental de 9 anos de duração já se aproxima do tamanho da coorte de 6 anos. Outro destaque percebido no Censo Escolar 2013 foi a confirmação da trajetória de expansão da matrícula na educação profissional,1 que em 2007 era de 780.162 e atingiu, em 2013, 1.441.051 matrículas – crescimento de 84,1% no período (Tabela 14). Esse comportamento está em sintonia com as políticas e ações do Ministério da Educação, no sentido do fomento ao fortalecimento, à expansão e à melhoria da qualidade da educação profissional no País. A análise do comportamento da matrícula não pode prescindir da comparação entre o contingente atendido pelo sistema educacional e o tamanho das respectivas coortes consideradas adequadas a cada etapa de escolarização.


Com a ampliação do ensino fundamental para 9 anos, parte da população de 6 anos, que antes era atendida na educação infantil, passou a ser matriculada no ano inicial desse ensino de 9 anos, o que explica a estabilidade da matrícula na pré-escola. Outro aspecto que tem impacto na distribuição e no contingente de alunos na educação básica é o comportamento dos indicadores de rendimento escolar. Com mais alunos sendo aprovados e promovidos às séries subsequentes, aumenta o número de habilitados a ingressar nas próximas etapas de escolarização. Os especialistas chamam esse movimento de fluxo escolar.


Historicamente, o sistema educacional brasileiro foi pouco eficiente em sua capacidade de produzir aprovados e, consequentemente, concluintes na idade correta. No entanto, a tendência atual mostra aumento no número de alunos que conseguem ultrapassar os anos iniciais do ensino fundamental. Daí a queda na matrícula e a ampliação da demanda para os anos finais dessa etapa de ensino. Entretanto, para os anos finais, como a intensidade dessa dinâmica ainda não é a mesma observada nos anos iniciais, o aumento no número de concluintes do ensino fundamental se mostra discreto. Essa movimentação está levando a matrícula do ensino fundamental ao patamar equivalente ao da população na faixa etária de 6 a 14 anos que, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2012, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), corresponde a 28.919.910 crianças. Atualmente, essa matrícula é apenas 0,5% superior à população na faixa etária adequada a essa etapa de ensino. Este é um percentual bem menor que os 2% observados em 2002, considerando, naquela época, a população de 7 a 14 anos para um ensino fundamental de 8 séries. Este fato reflete um aumento do número de alunos com idade adequada para a série no ensino fundamental (Gráficos 1 e 2).
______________________________________________________

Não há mais investimento por parte do governo federal (e, seguindo esta orientação, não há mais investimento por parte dos governos estaduais e municipais) na política de inclusão das pessoas com deficiências nas redes de ensino brasileira. 

Segundo o texto acima, foram implantadas 42.000 salas de recursos multifuncionais-SRM em 93% dos municípios brasileiros. Se considerado este percentual de municípios com SRM distribuídas equitativamente entre todos os 5.570 municípios existentes, isto representaria 8 escolas com SRM em 5.180 municípios, totalmente equipada... Todavia, os estudos do Observatório da Educação Especial-ONEESP (vide: http://www.oneesp.ufscar.br/publicacao-do-oneesp) constituído por uma ampla rede de pesquisadores de universidades brasileiras de 16 estados, revelam que estes dados não refletem a realidade das escolas que têm SRM. 

Segundo o CENSO Escolar da Educação Básica - 2013 (9-Infraestrutura, p. 33) existem 190.629  escolas no país, das quais, segundo o mesmo documento, 42 mil possuem SRM para a oferta do atendimento educacional especializado-AEE, ou seja, isto representa apenas 22.03% (e não 49% como citado acima!)  das escolas possuem estas salas.      

Quando eu trabalhei no MEC (junho 2005- janeiro 2007), coordenando o Projeto Educar na Diversidade, a Secretaria de Educação Especial em 2005 tinha uma verba de 30 milhões de reais para a Educação Especial. Em 2006, esse valor subiu para 36 milhões de reais (o que parece muito mas não é se considerado o número de programas e projetos que foram implantados naquela época, entre os quais, Programa Educação Inclusiva: direito á diversidade; Projeto Educar na Diversidade- formação de professores; Interiorizando LIBRAS; Interiorizando BRAILLE; Programa NAHAS - Nucleo de Altas Habilidades e Superdotação, entre outros). Além disso, havia verba para inúmeras publicações, conforme pode ser acessado no site (vide: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-continuada-alfabetizacao-diversidade-e-inclusao/publicacoes?id=17009) da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão-SECADI do MEC, na qual a SEESP foi integrada e seus programas e projetos pulverizados!!!  

Enfim, sem recursos não há política que se consolide e o momento atual é de retrocesso e não expansão da inclusão de pessoas com deficiências nas escolas brasileiras!  É inegável que existam algumas experiências de sucesso, mas elas não refletem a realidade do país! E, precisamos ter cuidado para não generalizar (de forma ingênua) estas experiências exitosas porque a realidade mostra que hoje (infelizmente!) as escolas voltaram a recusar matriculas sob várias alegações, entre as quais uma comum é: já temos o número estabelecido pela lei de alunos/as com deficiência por turma.

Por mais que o governo federal use a retórica da inclusão e alguns (ainda!) ingênuos insistem em acreditar que a política de inclusão continua no país a todo vapor, os dados acima não mentem... 

Na minha opinião, considerando-se as especificidades das questões que perpassam a vida, a escolarização e a preparação para a inserção social e profissional das PcD no Brasil - país de dimensão territorial com uma das maiores desigualdades sociais no mundo - devemos urgentemente repensar os reais benefícios do fechamento da SEESP. Penso que agora é hora de nos unirmos - sem lados e disputas - para lutar por verbas compatíveis com o marco político-legal brasileiro que deveriam ser assegurados para dar continuidade à efetivação da política de inclusão das PcD, seja em qual escola for... 

Por mais que a educação especial segregada, (supostamente) especializada não seja a solução para a educação das pessoas com deficiência, com a publicação da Política de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) e a institucionalização oficial federal das salas de atendimento educacional especializado-AEE nas escolas públicas brasileiras, também foi institucionalizado no país a categoria profissional das/os professoras/es ´especializadas´ (sabemos que a maioria não é...) da Educação Especial, grupo de profissionais que agora está sozinho, atendendo todo tipo de estudantes com deficiências diversas e sem apoio algum ou perspectivas futuras de desenvolvimento profissional porque não há verbas para formação continuada. Precisamos também - urgentemente - refletir sobre isso...

Windyz Brazão Ferreira
24/02/2016   



Nenhum comentário:

Postar um comentário