Jackeline Susann Souza da Silva
A “Teoria de Tudo” é um filme que marca na memória por sua
história envolve, emocionante e, sobretudo, reflexiva, ao nos levar a pensar
sobre quem somos e o valor da vida. Sem falar na brilhante atuação de Eddie
Redmayne que protagonizou perfeitamente Stephen Hawking e de Felicity Jones
vivendo a forte Jane Wilde Hawking, a primeira esposa de Stephen. Este filme
narra a história real do cosmólogo britânico — hoje um dos mais consagrados
cientistas mundiais — e foi inspirado no Livro escrito por Jane chamado “My
Life with Stephen”.
Se ainda não assistiu veja um trecho no Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=SbUVNHdPE4w
Além de motivá-los(as) a assistir esta grande obra
cinematográfica, o objetivo desta postagem é adentrar nas questões vividas por
Stephen e Jane, relacionando-as com as temáticas discutidas no campo plural da
deficiência. A seguir destaco pontos relevantes para discussão e análise.
A experiência da deficiência pode atingir qualquer um
de nós.
Quando falamos em deficiência, parece ainda uma questão
muito distante, fora do nosso contexto de vida, mesmo o Brasil registrando a
marca de aproximadamente 24% da população que se enquadram nesta categoria,
conforme aponta o último censo do IBGE (BRASIL, 2010). Falar de deficiência é
uma atribuição vinculada, na maioria das vezes, a especialistas,
professores(as) e familiares, pressuposto que acaba por isentar todas as demais
pessoas da responsabilidade social com este coletivo.
A história de Stephen Howinkig ilustra como a deficiência é
uma característica que pode afetar qualquer pessoa que tenha uma vida normal.
No auge da sua juventude, aos 21 anos, Stephen descobriu uma doença
degenerativa (esclerose lateral amiotrófica) e recebeu o diagnóstico de que
esta doença paralisaria seus músculos, comprometeria por completo o desempenho
do seu corpo e fala e provocaria sua morte prematura.
Assim como Stephen adquiriu deficiências, o número de
pessoas que viveram a experiência de se tornar uma pessoa com deficiência no
Brasil chega a ser 51% do total de pessoas registradas com algum tipo de
deficiência no país, ou seja, número maior do que as que recebem o diagnóstico
ao nascer. A deficiência pode surgir de uma acidente, fratura, tentativa de
homicídio, motivos de doença ou por chegar a terceira idade. Fica o
questionamento:
Se deficiência é uma marca de identidade característica de
nossa população pelo grande percentual de brasileiros e brasileiras, pela
própria condição humana de envelhecimento e pelas possíveis fatalidades, por
que é um tema não popularizado que permanece ilhado e de causa social atribuída
somente aos sensibilizados, especializados e familiares? Por que ainda existem
tantas barreiras nos ambientes e, sobretudo, nas atitudes?
A invisibilidade desta população (Ferreira, 2004; Soares,
2010; Farias, 2011) e a pouca responsabilização coletiva acerca da efetivação
dos direitos das pessoas com deficiência nas diversas áreas da vida (saúde,
mundo do trabalho, lazer, relações de amizade, sexualidade, escolarização,
entre outras) têm como consequência a criação e perpetuação das barreiras no
ambiente e nas relações humanas. O mundo que vivemos tal como está não acomoda
nossa própria condição de diversidade e diferenças de intelectualidade,
funcionalidade, comunicação e interação.
Assim, o filme deixa a mensagem de que a deficiência não está fora
da nossa constituição humana, ela é parte do universo e pode a qualquer momento
introduzir-se no nosso mundo particular; por isso necessitamos, de forma
empática, romper com o imaginário que cria fronteira entre os(as) “não
deficientes” e os(as) “deficientes” para assumirmos uma atitude de
responsabilidade coletiva.
O diagnóstico negativo é a primeira barreira que precisamos
romper.
Stephen tinha uma saúde normal. Aos 21 anos, já demonstrava
genialidade e era um dos jovens promissores ao título de doutorado em uma
nomeada universidade britânica. Nesse caminho, começou a perceber uma estranha
reação em suas mãos por sentir dificuldade para segurar o giz e por seu andar
que não seguia o ritmo habitual. Após uma série de exames, Stephen descobriu
que sofria de uma doença grave e que dali por diante sua maneira de viver
mudaria drasticamente.
No momento em que recebe o diagnóstico da doença, Stephen
encarou o médico em um corredor gélido de tons cinzas. Escutou em silêncio as
palavras do profissional que descreveu pausadamente o quadro decrescente e
irreversível da sua enfermidade. O médico finalizou sua fala prevendo o tempo
de vida máximo de dois anos para Stephen, período em que a doença já atingiria
seu mais alto grau.
A Medicina é o campo credenciado para medir, comparar e
avaliar as alterações corporais/mentais e, com isso, emitir diagnósticos
preventivos ou/e curativos. Para isso, existem definições e padrões, como
descritos nos manuais da Organização Mundial de Saúde, que servem de base para
análises comparativas dos(as) profissionais sobre o estado de saúde dos(as)
seus pacientes; enquadrando, assim, reações, enfermidades e deficiências aos
critérios médicos e farmacológicos.
Por muito tempo a apropriação médica do diagnóstico sobre
deficiência trouxe consequência graves para a vida dessa população, uma vez que
a deficiência era interpretada como uma condição meramente individual, uma
“tragédia pessoal” (Oliver, 1983) que precisava ser “curada”, medicalizada e
normalizada. Por causa disso, esse grupo foi privado de direitos, mantido em
instituições especializadas e cortado do convívio social. Na segunda metade do
século passado, o movimento de pessoas com deficiência protagonizou ações
intensivas de reivindicação que deram visibilidades às barreiras sociais,
responsáveis por restringir e negar os direitos humanos desse grupo. Inicia-se
aí a discussão sobre deficiência contextualizada nas esferas coletiva,
política, histórica, social, cultural e econômica.
A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da
Organização das Nações Unidas (ONU, 2006) é resultado da luta social por
reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência. Esta convenção teve
impacto mundial e reforça modelo social da deficiência (hoje é o modelo mais
bem aceito pelo movimento), assumindo que esta marca é construída em meio a
limites sociais (e não individuais como se acreditava) e que, portanto, se faz
urgente a adoção de medidas inclusivas e acessíveis para modificar a sociedade.
Receber um diagnóstico de doença grave é um momento
sensível, de muita dor e revolta, foi o que aconteceu com Stephen. O sentimento
inicial provou seu isolamento e reflexão profunda sobre as impossibilidades da
doença e sua possível morte. O mesmo acontece com as pessoas que adquirem uma
deficiência e com mães e familiares que recebem a notícia da chegada de um(a)
bebê com deficiência. Os relatos principalmente das mães mostram o quando o
diagnóstico negativo interfere na relação da família com os(as) seus(as)
filhos(as).
Recordo o caso de uma jovem mãe de uma criança diagnosticada
com autismo que nos contou ter sido surpreendida pela fala do médico no dia em
que seu filho nasceu: “ele disse que meu filho tinha um problema grave e
que não adiantava fazer nada porque ele iria vegetar, além de ter pouco tempo
de vida”. Ela acrescenta que estas palavras entraram em seu “peito como um
punhal”, passando um sentimento de culpa, de rejeição e de vergonha. Nos
primeiros anos não saia de casa com seu filho e evitava falar do assunto quando
as pessoas comentavam. Foi um momento de luto. Contradizendo o diagnóstico, a
criança hoje tem dez anos, caminha e come sozinha, escolhe as roupas que quer
vestir, brinca com sua irmã, frequenta à escola e é bastante interessada em
recursos digitais.
Tanto a experiência desta criança como a história de Stephen
provam que é possível desconstruir diagnósticos incapacitantes.
Quantas famílias são desacreditadas das capacidades de seus
filhos(as) com deficiência pelas instituições sociais como escola e hospitais?
Quantas crianças com deficiência são impedidas de aprender e conviver nos
diferentes espaços porque recebem chances escassas e pobres de desenvolvimento
por causa de um diagnóstico de que elas não terão progresso?
Imaginemos se o
diagnóstico tivesse paralisado, de fato, Stephen Hawking de tal maneira que ele
não encontrasse mais sentido para viver? No mínimo deixaria um planeta inteiro
órfão da sua teoria sobre tempo e buracos negros.
Portanto, a segunda lição que fica do filme é que precisamos desconstruir diagnósticos incapacitantes e não
limitar a nossa capacidade de estarmos vivos, em qualquer que seja a condição
pessoal. Viver é uma estrada de possibilidades, uma arte complexa e misteriosa.
Jane Hawking foi tão responsável pelo sucesso de Stephen
Hawking como ele mesmo: Cuidado, Mulher & Deficiência.
Durante a exibição de todo o filme chama a atenção a
presença de Jane Wilde Hawking na vida e carreira do cientista Stephen Hawking:
Ela cumpriu a função do cuidado integral e foi sua grande incentivadora desde
que ele descobriu a doença. O papel de Jane foi preponderante para o
desenvolvimento e sucesso de Stephen Hawking.
Historicamente, a função de cuidar foi destinada às mulheres
e por isso naturalizou-se que esta é uma tarefa feminina. Ainda hoje, desde a
infância as meninas aprendem a tomar responsabilidade sob os demais, cuidando
dos irmãos, dos colegas menores, dos pais e das “coisas da casa”. Não é à toa
que ouvimos com frequência que “meninas amadurecem mais cedo que meninos”, essa
frágil ideia nada mais é do que um excesso de atribuição e cobrança destinada
às meninas, para que estas criem um senso de responsabilidade com o bem-estar e
cuidado com seu entorno e com os outros. Esse cultura reflete no mundo do
trabalho em que as mulheres ocupam a maioria das profissões que remetem ao
cuidado como docência, enfermaria, assistência social e psicologia (Cruz,
2012).
Com as lutas feministas, muitos direitos foram alcançados.
No entanto, a mulher contemporânea vive outros tipos de condicionamentos que
estão por trás da sua suposta emancipação. A carga de ter que trabalhar e
estudar fora não diminuiu o trabalho doméstico por ela ser a principal
responsável de cuidar das múltiplas tarefas da casa, dos(as) filhos(as), das
pessoas idosas e doentes. A intensa jornada de trabalho coloca as mulheres em
posição de desvantagem social ao criar barreiras, produzir desigualdades de
gênero e privá-las de direitos, como, por exemplo, ter pouco tempo para
investir em uma carreira profissional ou realizar uma atividade de lazer.
Todos os aspectos que circunscrevem o papel social e o lugar
da mulher se intensificam quando ela tem um(a) filho(a) com deficiência, um
familiar ou um(a) parceiro(a) que necessita de seus cuidados. A relação passa
de mãe ou esposa para cuidadora. Uma função que exige sua atenção integral. A
baixa renda é um fator agravante que influência o estado de vulnerabilidade da
mulher-cuidadora. Ao não dispor de recursos, ela se ver na obrigação de
suprir as faltas sozinha, por exemplo, quando não tem um carro ou
dinheiro para pagar um táxi e tem que levar frequentemente o filho com
paralisia cerebral até a clínica de reabilitação, enfrentando um transporte
público precário e a falta de acessibilidades das ruas; quando cuida e sustenta
uma filha com deficiência porque o marido foi embora sem assumir suas
obrigações afetivas e financeiras; quando é obrigada a ‘abrir mão’ de uma
profissão para acompanhar o filho com autismo porque a escola viola o direito
de dispor de um(a) cuidador(a) e ela não encontra opções.
O mesmo aconteceu com Jane, quando conheceu Stephen era
estudante de Artes que almejava seguir um futuro profissional, mas teve que
deixar carreira de lado para se dedicar ao marido, cuidar da casa e dos filhos.
Stephen necessitava do apoio de Jane para tudo: se alimentar, tomar água,
trocar de roupa, escovar seus dentes, subir escadas e até para carregá-lo
quando não encontrava acessibilidade nos lugares que frequentava. E assim,
foram os 30 anos de casados, até que com o passar do tempo foi possível perceber
nas cenas o peso da sobrecarga no rosto de Jane, que demostrava muito cansaço e
a necessidade de ajuda.
Imaginemos a seguinte situação irrealística: Se as mulheres
se unissem e realizassem uma greve mundial de um mês deixando de exercer
qualquer atividade doméstica e de cuidado, com o propósito de reivindicar
reconhecimento dessas tarefas, mostrar sua relevância e conquistar direitos
domésticos (como políticas públicas e atenção legal a divisão do trabalho
doméstico). É seguro que viveríamos um momento de grande caos e instabilidade
social.
Este filme nos mostra a importância social do cuidado e da
interdependência. Nas experiências com pessoas com deficiência graves a
necessidade do cuidado ganha mais visibilidade, no entanto, essa é uma função
social que mantêm o funcionamento das instituições sociais, sejam públicas ou
privadas.
Desta forma, a terceira lição que o filme nos leva a pensar é que é preciso discutir este tema, ampliar o debate e construir
políticas, estratégias e ações que apoiem as mulheres-cuidadoras, bem como
desenvolver a consciência social de que a tarefa de cuidar e as atividades
domésticas são de responsabilidade coletiva.
A Acessibilidade e os Profissionais Assistivos permitiram
saltos para o descobrimento do universo.
O suporte oferecido a Stephen através das tecnologias e
profissionais assistivos foi o que lhes permitiu realizar atividades no dia a
dia e seguir com sua carreira de cientista. A cadeira de roda elétrica lhe
forneceu autonomia, uma vez que ele pôde monitorá-la sozinho e com isso
circular com maior liberdade e frequentar à universidade; depois que Stephen
perdeu a capacidade de falar, o sintetizador de voz foi um recurso que lhe
oportunizou comunicar-se, realizar conferências e até escrever seus livros.
É indiscutível que o avanço tecnológico proporciona maior
qualidade de vida as pessoas com deficiência. Os relatos de amigas cegas
ilustram a relevância da tecnologia em sua vida, especialmente quando os
recursos são desenhados dentro dos padrões de acessibilidade. O uso de smartphone vem
se tornando uma ferramenta indispensável no cotidiano de pessoas com
deficiência, pois lhes oferece acesso à informação, permite realização de
pesquisas online e interação por meio das redes sociais e chat,
algumas vezes, comportam recursos para descrição de imagens e vídeos, além de
dispor de aplicativos de acessibilidade.
De forma geral, o acesso à tecnologia
e acessibilidade ajuda a diminuir os limites condicionados por deficiências
graves e estas pessoas deixam de ficar à mercê somente do apoio humano, por
exemplo, quando desejam obter uma simples informação, podem usar um computador
adaptado para buscá-la na internet.
Além das tecnologias como um recurso de/para acessibilidade,
o filme nos mostra a importante dos profissionais assistivos, como cuidadores e
enfermeiros, que desenvolvem um trabalho fundamental para melhorar as condições
de vida das pessoas com deficiência. No período em perdeu a fala, Jane tentou
ensinar Stephen a comunicar-se através um recurso de comunicação alternativa.
Com Jane, Stephen se mostrou resistente…
Como um cientista com ideias tão abstratas agora sem nenhuma
possibilidade de se expressar oralmente iria conseguir expor o que pensa? A
acessibilidade e o apoio profissional tornam-se meios de chegar a este fim!
Jane resolveu compartilhar a responsabilidade e contratou
uma enfermeira. A profissional com sua longa experiência conseguiu que Stephen
aprendesse a se comunicar-se e interagir na sua nova condição.
A quarta reflexão que o filme nos deixa é que a acessibilidade, os recursos assistivos e o apoio de
profissional garantem condições dignas e favorecem o desenvolvimento pleno das
pessoas com deficiência. O avanço científico e tecnológico cada vez mais
permite que as pessoas com deficiência adquiram autonomia para realizar suas
atividades diárias e, com isso, coloquem em prática desde ofícios corriqueiros
até a realização de seus maiores sonhos.
A oportunidade de aprender cria gênios.
Como todos sabem Stephen Hawking é um premiado cientista e
suas teorias contribuem para a compreensão do tempo, universo e surgimento da
vida na terra. Ao descobrir a doença, a primeira preocupação de Stephen foi se
ela atingiria sua capacidade cognitiva.
Neste caminho, ele continuou a
desenvolver sua tese e foi acolhido pelo seu professor que demonstrava respeito
e crença na sua capacidade. Uma cena do filme retrata a fala do professor de
Stephen em uma conferência pública em que expressa toda a admiração que tem por
ele e confessa o privilégio que foi conviver e aprender muito com seu antigo
aprendiz.
A pessoa com deficiência ainda é privada de aprender e
desenvolver seus talentos. O imaginário coletivo das instituições educacionais
é enraizado em crenças, estereótipos e mitos acerca do desenvolvimento
cognitivo deste grupo social. Narrativas negativas ilustram descaso,
segregação, discriminação e omissão de oportunidade de participação de
crianças, jovens e adultos com deficiência no sistema de ensino regular.
A violação do direito à educação incapacita as pessoas com
deficiência, que permanecem no abismo de (grande) desvantagem social, sem
oportunidade de aprender, com poucas chances de sucesso escolar e sendo mínima
a representatividade deste grupo — menos de 1% — que ascende a espaços de excelências
na produção e disseminação de conhecimento, como as universidades.
A convivência entre pessoas com e sem deficiência em espaços
de aprendizagem é benéfica não só para as pessoas com deficiência, mas para a
comunidade. Este é um momento propício para troca de experiência e saberes e a
oportunidade para se pensar em estratégias que diminuam barreiras educacionais.
Como visto na história de Stephen, o(a) professor(a) tem um
papel preponderante porque ele(a) é autoridade que pode criar oportunidades
para que estudantes com deficiência desenvolvam seu potencial.
Qual a primeira coisa que precisamos mudar para que pessoas
com deficiência tenham oportunidade de aprender e desenvolver seus talentos? A
resposta é simples: nossa atitude em relação a elas!
A quarta lição que podemos extrair do filme é que as pessoas com deficiência têm o direito de aprender,
participar e interagir para isso é preciso que EXISTAM OPORTUNIDADES. O(a)
professor(a) tem o poder de promover a inclusão e acessibilidade por meio de
atitudes acolhedoras e abertas às diferentes formas de aprendizagem e de
expressão de saberes. Para tanto, é urgente desconstruir concepções
incapacitantes sobre pessoas com deficiência, de descrença em seu potencial e
capacidade intelectual, principalmente quando são pessoas com deficiência com quadro
complexos como paralisias, deficiências intelectuais e autismo.
Professores(as), não vamos desperdiçar talentos e gênios,
vamos potenciá-los e descobri-los!
O corpo na sua diversidade transpira sexualidade.
Este último ponto reflexivo que o filme nos reporta é um
tema tabu e inexplorado no Brasil: sexualidade e deficiência. Estudos indicam
que as pessoas com deficiência são vistas como sujeitos assexuados, infantis e
frígidos (Mertens et al., 2012; Denari, 2006). No entanto, a internet pouco a
pouco vem publicizando conteúdos digitais que trazem à tona estes temas:
ensaios sensuais de mulheres com deficiência para reforçar sua beleza e
feminilidade; aplicativos de relacionamentos para que pessoas com diversidade
funcional; relatos e filmagem de experiências sexuais de pessoas com
deficiência, entre outros. Na maioria das vezes, as protagonistas são as
próprias pessoas com deficiência que buscam desmistificar as concepções
limitantes sobre sua sexualidade, gênero e orientação sexual.
Conheça o Projeto Espanhol “Yes, We Fuck”, coordenado por
Antonio Centero, um usuário de cadeira de rodas que promove a discussão sobre a
sexualidade de pessoas com diversidade funcional em fóruns e documentários de
uma maneira livre, transgressora e anticapacitista. http://www.yeswefuck.org/
No filme, a experiência de Stephen Hawking evidencia que
mesmo sua deficiência sendo de grau avançado, esta não foi a razão para ele não
desfrutar de uma vida sexual plena. Stephen e Jane tinham uma relação amorosa
como qualquer outro casal, explorando o lado sexual. Ele é pai de três filhos
e, mais tarde, teve um relacionamento extraconjugal com sua enfermeira Elane
Mason, com quem se casou pela segunda vez. Por causa da condição fisiológica de
Stephen, muitas foram as especulações levantadas contra Jane, que foi julgada
pela própria família de traí-lo e de mentir sobre a paternidade de seus filhos.
A discriminação vivida por Jane é resultado do controle da
sexualidade das mulheres que são colocadas em juízo quando apresentam um
comportamento conferido como inadequado e do ceticismo acerca do desempenho
sexual de parceiros e parceiras com deficiência. As mulheres com deficiência
são submetidas em dobro a tutela da família e Estado, aspecto que restringe sua
vida sexual, seu ciclo de relações amorosas e seu direito à maternidade.
O corpo humano é uma zona sem limites, potenciada para dar e
receber prazer. Por que as pessoas com deficiência permanecem destituídas de
viver plenamente sua sexualidade? O que está por trás dessa restrição social?
A quarta lição que a história de Stephen Hawking incitou foi
que homens e mulheres com deficiência têm os mesmos direitos que
qualquer outro grupo de terem uma vida sexual ativa, livre e sem discriminação.
A decisão quanto ao tipo de relação, acordos sentimentais e escolha de ter ou
não filhos são demandas que dizem respeito as próprias pessoas com deficiência.
Para isso, é preciso investir em políticas públicas e ações conjuntas que
coloquem em debate este tema, deem visibilidade aos grupos de pessoas com
deficiência que já vêm desenvolvendo ou queiram produzir campanhas de
conscientização, forneçam informação adequada e acessível sobre gênero, saúde e
sexualidade com vista a prevenção de gravidez, doenças sexualmente
transmissíveis e abusos sexuais, finalmente, abram espaços públicos formais e
de lazer para que pessoas com deficiência possam trocar de experiências e
conhecer outras pessoas que queiram compartilhar e viver juntas uma vida
amorosa e/ou sexual.
Como percebemos, este é um filme para guardar em nossos
arquivos valiosos e sempre que preciso revê-lo para refletirmos sobre a
experiência da deficiência no contexto contemporâneo.
REFERÊNCIAS
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Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.
Texto originalmente publicado em: https://medium.com/@JackelineSusann/o-filme-teoria-de-tudo-conta-a-hist%C3%B3ria-de-stephen-hawking-e-traz-reflex%C3%B5es-importantes-sobre-a-bfebcea70bc8#.qj4tmdi09