segunda-feira, 31 de outubro de 2016

O Filme “Teoria de Tudo” conta a história de Stephen Hawking e traz reflexões importantes sobre a experiência da deficiência

Jackeline Susann Souza da Silva



A “Teoria de Tudo” é um filme que marca na memória por sua história envolve, emocionante e, sobretudo, reflexiva, ao nos levar a pensar sobre quem somos e o valor da vida. Sem falar na brilhante atuação de Eddie Redmayne que protagonizou perfeitamente Stephen Hawking e de Felicity Jones vivendo a forte Jane Wilde Hawking, a primeira esposa de Stephen. Este filme narra a história real do cosmólogo britânico — hoje um dos mais consagrados cientistas mundiais — e foi inspirado no Livro escrito por Jane chamado “My Life with Stephen”.

Se ainda não assistiu veja um trecho no Trailerhttps://www.youtube.com/watch?v=SbUVNHdPE4w

Além de motivá-los(as) a assistir esta grande obra cinematográfica, o objetivo desta postagem é adentrar nas questões vividas por Stephen e Jane, relacionando-as com as temáticas discutidas no campo plural da deficiência. A seguir destaco pontos relevantes para discussão e análise.

A experiência da deficiência pode atingir qualquer um de nós.



Quando falamos em deficiência, parece ainda uma questão muito distante, fora do nosso contexto de vida, mesmo o Brasil registrando a marca de aproximadamente 24% da população que se enquadram nesta categoria, conforme aponta o último censo do IBGE (BRASIL, 2010). Falar de deficiência é uma atribuição vinculada, na maioria das vezes, a especialistas, professores(as) e familiares, pressuposto que acaba por isentar todas as demais pessoas da responsabilidade social com este coletivo.

A história de Stephen Howinkig ilustra como a deficiência é uma característica que pode afetar qualquer pessoa que tenha uma vida normal. No auge da sua juventude, aos 21 anos, Stephen descobriu uma doença degenerativa (esclerose lateral amiotrófica) e recebeu o diagnóstico de que esta doença paralisaria seus músculos, comprometeria por completo o desempenho do seu corpo e fala e provocaria sua morte prematura.

Assim como Stephen adquiriu deficiências, o número de pessoas que viveram a experiência de se tornar uma pessoa com deficiência no Brasil chega a ser 51% do total de pessoas registradas com algum tipo de deficiência no país, ou seja, número maior do que as que recebem o diagnóstico ao nascer. A deficiência pode surgir de uma acidente, fratura, tentativa de homicídio, motivos de doença ou por chegar a terceira idade. Fica o questionamento:

Se deficiência é uma marca de identidade característica de nossa população pelo grande percentual de brasileiros e brasileiras, pela própria condição humana de envelhecimento e pelas possíveis fatalidades, por que é um tema não popularizado que permanece ilhado e de causa social atribuída somente aos sensibilizados, especializados e familiares? Por que ainda existem tantas barreiras nos ambientes e, sobretudo, nas atitudes?

A invisibilidade desta população (Ferreira, 2004; Soares, 2010; Farias, 2011) e a pouca responsabilização coletiva acerca da efetivação dos direitos das pessoas com deficiência nas diversas áreas da vida (saúde, mundo do trabalho, lazer, relações de amizade, sexualidade, escolarização, entre outras) têm como consequência a criação e perpetuação das barreiras no ambiente e nas relações humanas. O mundo que vivemos tal como está não acomoda nossa própria condição de diversidade e diferenças de intelectualidade, funcionalidade, comunicação e interação. 

Assim, o filme deixa a mensagem de que a deficiência não está fora da nossa constituição humana, ela é parte do universo e pode a qualquer momento introduzir-se no nosso mundo particular; por isso necessitamos, de forma empática, romper com o imaginário que cria fronteira entre os(as) “não deficientes” e os(as) “deficientes” para assumirmos uma atitude de responsabilidade coletiva.

O diagnóstico negativo é a primeira barreira que precisamos romper.



Stephen tinha uma saúde normal. Aos 21 anos, já demonstrava genialidade e era um dos jovens promissores ao título de doutorado em uma nomeada universidade britânica. Nesse caminho, começou a perceber uma estranha reação em suas mãos por sentir dificuldade para segurar o giz e por seu andar que não seguia o ritmo habitual. Após uma série de exames, Stephen descobriu que sofria de uma doença grave e que dali por diante sua maneira de viver mudaria drasticamente.

No momento em que recebe o diagnóstico da doença, Stephen encarou o médico em um corredor gélido de tons cinzas. Escutou em silêncio as palavras do profissional que descreveu pausadamente o quadro decrescente e irreversível da sua enfermidade. O médico finalizou sua fala prevendo o tempo de vida máximo de dois anos para Stephen, período em que a doença já atingiria seu mais alto grau.

A Medicina é o campo credenciado para medir, comparar e avaliar as alterações corporais/mentais e, com isso, emitir diagnósticos preventivos ou/e curativos. Para isso, existem definições e padrões, como descritos nos manuais da Organização Mundial de Saúde, que servem de base para análises comparativas dos(as) profissionais sobre o estado de saúde dos(as) seus pacientes; enquadrando, assim, reações, enfermidades e deficiências aos critérios médicos e farmacológicos.

Por muito tempo a apropriação médica do diagnóstico sobre deficiência trouxe consequência graves para a vida dessa população, uma vez que a deficiência era interpretada como uma condição meramente individual, uma “tragédia pessoal” (Oliver, 1983) que precisava ser “curada”, medicalizada e normalizada. Por causa disso, esse grupo foi privado de direitos, mantido em instituições especializadas e cortado do convívio social. Na segunda metade do século passado, o movimento de pessoas com deficiência protagonizou ações intensivas de reivindicação que deram visibilidades às barreiras sociais, responsáveis por restringir e negar os direitos humanos desse grupo. Inicia-se aí a discussão sobre deficiência contextualizada nas esferas coletiva, política, histórica, social, cultural e econômica.

Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU, 2006) é resultado da luta social por reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência. Esta convenção teve impacto mundial e reforça modelo social da deficiência (hoje é o modelo mais bem aceito pelo movimento), assumindo que esta marca é construída em meio a limites sociais (e não individuais como se acreditava) e que, portanto, se faz urgente a adoção de medidas inclusivas e acessíveis para modificar a sociedade.

Receber um diagnóstico de doença grave é um momento sensível, de muita dor e revolta, foi o que aconteceu com Stephen. O sentimento inicial provou seu isolamento e reflexão profunda sobre as impossibilidades da doença e sua possível morte. O mesmo acontece com as pessoas que adquirem uma deficiência e com mães e familiares que recebem a notícia da chegada de um(a) bebê com deficiência. Os relatos principalmente das mães mostram o quando o diagnóstico negativo interfere na relação da família com os(as) seus(as) filhos(as).

Recordo o caso de uma jovem mãe de uma criança diagnosticada com autismo que nos contou ter sido surpreendida pela fala do médico no dia em que seu filho nasceu: “ele disse que meu filho tinha um problema grave e que não adiantava fazer nada porque ele iria vegetar, além de ter pouco tempo de vida”. Ela acrescenta que estas palavras entraram em seu “peito como um punhal”, passando um sentimento de culpa, de rejeição e de vergonha. Nos primeiros anos não saia de casa com seu filho e evitava falar do assunto quando as pessoas comentavam. Foi um momento de luto. Contradizendo o diagnóstico, a criança hoje tem dez anos, caminha e come sozinha, escolhe as roupas que quer vestir, brinca com sua irmã, frequenta à escola e é bastante interessada em recursos digitais.

Tanto a experiência desta criança como a história de Stephen provam que é possível desconstruir diagnósticos incapacitantes. 

Quantas famílias são desacreditadas das capacidades de seus filhos(as) com deficiência pelas instituições sociais como escola e hospitais? Quantas crianças com deficiência são impedidas de aprender e conviver nos diferentes espaços porque recebem chances escassas e pobres de desenvolvimento por causa de um diagnóstico de que elas não terão progresso? 

Imaginemos se o diagnóstico tivesse paralisado, de fato, Stephen Hawking de tal maneira que ele não encontrasse mais sentido para viver? No mínimo deixaria um planeta inteiro órfão da sua teoria sobre tempo e buracos negros.

Portanto, a segunda lição que fica do filme é que precisamos desconstruir diagnósticos incapacitantes e não limitar a nossa capacidade de estarmos vivos, em qualquer que seja a condição pessoal. Viver é uma estrada de possibilidades, uma arte complexa e misteriosa.

Jane Hawking foi tão responsável pelo sucesso de Stephen Hawking como ele mesmo: Cuidado, Mulher & Deficiência.


Durante a exibição de todo o filme chama a atenção a presença de Jane Wilde Hawking na vida e carreira do cientista Stephen Hawking: Ela cumpriu a função do cuidado integral e foi sua grande incentivadora desde que ele descobriu a doença. O papel de Jane foi preponderante para o desenvolvimento e sucesso de Stephen Hawking.

Historicamente, a função de cuidar foi destinada às mulheres e por isso naturalizou-se que esta é uma tarefa feminina. Ainda hoje, desde a infância as meninas aprendem a tomar responsabilidade sob os demais, cuidando dos irmãos, dos colegas menores, dos pais e das “coisas da casa”. Não é à toa que ouvimos com frequência que “meninas amadurecem mais cedo que meninos”, essa frágil ideia nada mais é do que um excesso de atribuição e cobrança destinada às meninas, para que estas criem um senso de responsabilidade com o bem-estar e cuidado com seu entorno e com os outros. Esse cultura reflete no mundo do trabalho em que as mulheres ocupam a maioria das profissões que remetem ao cuidado como docência, enfermaria, assistência social e psicologia (Cruz, 2012).

Com as lutas feministas, muitos direitos foram alcançados. No entanto, a mulher contemporânea vive outros tipos de condicionamentos que estão por trás da sua suposta emancipação. A carga de ter que trabalhar e estudar fora não diminuiu o trabalho doméstico por ela ser a principal responsável de cuidar das múltiplas tarefas da casa, dos(as) filhos(as), das pessoas idosas e doentes. A intensa jornada de trabalho coloca as mulheres em posição de desvantagem social ao criar barreiras, produzir desigualdades de gênero e privá-las de direitos, como, por exemplo, ter pouco tempo para investir em uma carreira profissional ou realizar uma atividade de lazer.

Todos os aspectos que circunscrevem o papel social e o lugar da mulher se intensificam quando ela tem um(a) filho(a) com deficiência, um familiar ou um(a) parceiro(a) que necessita de seus cuidados. A relação passa de mãe ou esposa para cuidadora. Uma função que exige sua atenção integral. A baixa renda é um fator agravante que influência o estado de vulnerabilidade da mulher-cuidadora. Ao não dispor de recursos, ela se ver na obrigação de suprir as faltas sozinha, por exemplo, quando não tem um carro ou dinheiro para pagar um táxi e tem que levar frequentemente o filho com paralisia cerebral até a clínica de reabilitação, enfrentando um transporte público precário e a falta de acessibilidades das ruas; quando cuida e sustenta uma filha com deficiência porque o marido foi embora sem assumir suas obrigações afetivas e financeiras; quando é obrigada a ‘abrir mão’ de uma profissão para acompanhar o filho com autismo porque a escola viola o direito de dispor de um(a) cuidador(a) e ela não encontra opções.

O mesmo aconteceu com Jane, quando conheceu Stephen era estudante de Artes que almejava seguir um futuro profissional, mas teve que deixar carreira de lado para se dedicar ao marido, cuidar da casa e dos filhos. Stephen necessitava do apoio de Jane para tudo: se alimentar, tomar água, trocar de roupa, escovar seus dentes, subir escadas e até para carregá-lo quando não encontrava acessibilidade nos lugares que frequentava. E assim, foram os 30 anos de casados, até que com o passar do tempo foi possível perceber nas cenas o peso da sobrecarga no rosto de Jane, que demostrava muito cansaço e a necessidade de ajuda.

Imaginemos a seguinte situação irrealística: Se as mulheres se unissem e realizassem uma greve mundial de um mês deixando de exercer qualquer atividade doméstica e de cuidado, com o propósito de reivindicar reconhecimento dessas tarefas, mostrar sua relevância e conquistar direitos domésticos (como políticas públicas e atenção legal a divisão do trabalho doméstico). É seguro que viveríamos um momento de grande caos e instabilidade social.

Este filme nos mostra a importância social do cuidado e da interdependência. Nas experiências com pessoas com deficiência graves a necessidade do cuidado ganha mais visibilidade, no entanto, essa é uma função social que mantêm o funcionamento das instituições sociais, sejam públicas ou privadas. 

Desta forma, a terceira lição que o filme nos leva a pensar é que é preciso discutir este tema, ampliar o debate e construir políticas, estratégias e ações que apoiem as mulheres-cuidadoras, bem como desenvolver a consciência social de que a tarefa de cuidar e as atividades domésticas são de responsabilidade coletiva.

A Acessibilidade e os Profissionais Assistivos permitiram saltos para o descobrimento do universo.


O suporte oferecido a Stephen através das tecnologias e profissionais assistivos foi o que lhes permitiu realizar atividades no dia a dia e seguir com sua carreira de cientista. A cadeira de roda elétrica lhe forneceu autonomia, uma vez que ele pôde monitorá-la sozinho e com isso circular com maior liberdade e frequentar à universidade; depois que Stephen perdeu a capacidade de falar, o sintetizador de voz foi um recurso que lhe oportunizou comunicar-se, realizar conferências e até escrever seus livros.

É indiscutível que o avanço tecnológico proporciona maior qualidade de vida as pessoas com deficiência. Os relatos de amigas cegas ilustram a relevância da tecnologia em sua vida, especialmente quando os recursos são desenhados dentro dos padrões de acessibilidade. O uso de smartphone vem se tornando uma ferramenta indispensável no cotidiano de pessoas com deficiência, pois lhes oferece acesso à informação, permite realização de pesquisas online e interação por meio das redes sociais e chat, algumas vezes, comportam recursos para descrição de imagens e vídeos, além de dispor de aplicativos de acessibilidade. 

De forma geral, o acesso à tecnologia e acessibilidade ajuda a diminuir os limites condicionados por deficiências graves e estas pessoas deixam de ficar à mercê somente do apoio humano, por exemplo, quando desejam obter uma simples informação, podem usar um computador adaptado para buscá-la na internet.

Além das tecnologias como um recurso de/para acessibilidade, o filme nos mostra a importante dos profissionais assistivos, como cuidadores e enfermeiros, que desenvolvem um trabalho fundamental para melhorar as condições de vida das pessoas com deficiência. No período em perdeu a fala, Jane tentou ensinar Stephen a comunicar-se através um recurso de comunicação alternativa. Com Jane, Stephen se mostrou resistente…

Como um cientista com ideias tão abstratas agora sem nenhuma possibilidade de se expressar oralmente iria conseguir expor o que pensa? A acessibilidade e o apoio profissional tornam-se meios de chegar a este fim!

Jane resolveu compartilhar a responsabilidade e contratou uma enfermeira. A profissional com sua longa experiência conseguiu que Stephen aprendesse a se comunicar-se e interagir na sua nova condição.

A quarta reflexão que o filme nos deixa é que a acessibilidade, os recursos assistivos e o apoio de profissional garantem condições dignas e favorecem o desenvolvimento pleno das pessoas com deficiência. O avanço científico e tecnológico cada vez mais permite que as pessoas com deficiência adquiram autonomia para realizar suas atividades diárias e, com isso, coloquem em prática desde ofícios corriqueiros até a realização de seus maiores sonhos.

A oportunidade de aprender cria gênios.


Como todos sabem Stephen Hawking é um premiado cientista e suas teorias contribuem para a compreensão do tempo, universo e surgimento da vida na terra. Ao descobrir a doença, a primeira preocupação de Stephen foi se ela atingiria sua capacidade cognitiva. 

Neste caminho, ele continuou a desenvolver sua tese e foi acolhido pelo seu professor que demonstrava respeito e crença na sua capacidade. Uma cena do filme retrata a fala do professor de Stephen em uma conferência pública em que expressa toda a admiração que tem por ele e confessa o privilégio que foi conviver e aprender muito com seu antigo aprendiz.

A pessoa com deficiência ainda é privada de aprender e desenvolver seus talentos. O imaginário coletivo das instituições educacionais é enraizado em crenças, estereótipos e mitos acerca do desenvolvimento cognitivo deste grupo social. Narrativas negativas ilustram descaso, segregação, discriminação e omissão de oportunidade de participação de crianças, jovens e adultos com deficiência no sistema de ensino regular.

A violação do direito à educação incapacita as pessoas com deficiência, que permanecem no abismo de (grande) desvantagem social, sem oportunidade de aprender, com poucas chances de sucesso escolar e sendo mínima a representatividade deste grupo — menos de 1% — que ascende a espaços de excelências na produção e disseminação de conhecimento, como as universidades.

A convivência entre pessoas com e sem deficiência em espaços de aprendizagem é benéfica não só para as pessoas com deficiência, mas para a comunidade. Este é um momento propício para troca de experiência e saberes e a oportunidade para se pensar em estratégias que diminuam barreiras educacionais.

Como visto na história de Stephen, o(a) professor(a) tem um papel preponderante porque ele(a) é autoridade que pode criar oportunidades para que estudantes com deficiência desenvolvam seu potencial.

Qual a primeira coisa que precisamos mudar para que pessoas com deficiência tenham oportunidade de aprender e desenvolver seus talentos? A resposta é simples: nossa atitude em relação a elas!

A quarta lição que podemos extrair do filme é que as pessoas com deficiência têm o direito de aprender, participar e interagir para isso é preciso que EXISTAM OPORTUNIDADES. O(a) professor(a) tem o poder de promover a inclusão e acessibilidade por meio de atitudes acolhedoras e abertas às diferentes formas de aprendizagem e de expressão de saberes. Para tanto, é urgente desconstruir concepções incapacitantes sobre pessoas com deficiência, de descrença em seu potencial e capacidade intelectual, principalmente quando são pessoas com deficiência com quadro complexos como paralisias, deficiências intelectuais e autismo.

Professores(as), não vamos desperdiçar talentos e gênios, vamos potenciá-los e descobri-los!


O corpo na sua diversidade transpira sexualidade.


Este último ponto reflexivo que o filme nos reporta é um tema tabu e inexplorado no Brasil: sexualidade e deficiência. Estudos indicam que as pessoas com deficiência são vistas como sujeitos assexuados, infantis e frígidos (Mertens et al., 2012; Denari, 2006). No entanto, a internet pouco a pouco vem publicizando conteúdos digitais que trazem à tona estes temas: ensaios sensuais de mulheres com deficiência para reforçar sua beleza e feminilidade; aplicativos de relacionamentos para que pessoas com diversidade funcional; relatos e filmagem de experiências sexuais de pessoas com deficiência, entre outros. Na maioria das vezes, as protagonistas são as próprias pessoas com deficiência que buscam desmistificar as concepções limitantes sobre sua sexualidade, gênero e orientação sexual.

Conheça o Projeto Espanhol “Yes, We Fuck”, coordenado por Antonio Centero, um usuário de cadeira de rodas que promove a discussão sobre a sexualidade de pessoas com diversidade funcional em fóruns e documentários de uma maneira livre, transgressora e anticapacitista. http://www.yeswefuck.org/

No filme, a experiência de Stephen Hawking evidencia que mesmo sua deficiência sendo de grau avançado, esta não foi a razão para ele não desfrutar de uma vida sexual plena. Stephen e Jane tinham uma relação amorosa como qualquer outro casal, explorando o lado sexual. Ele é pai de três filhos e, mais tarde, teve um relacionamento extraconjugal com sua enfermeira Elane Mason, com quem se casou pela segunda vez. Por causa da condição fisiológica de Stephen, muitas foram as especulações levantadas contra Jane, que foi julgada pela própria família de traí-lo e de mentir sobre a paternidade de seus filhos.

A discriminação vivida por Jane é resultado do controle da sexualidade das mulheres que são colocadas em juízo quando apresentam um comportamento conferido como inadequado e do ceticismo acerca do desempenho sexual de parceiros e parceiras com deficiência. As mulheres com deficiência são submetidas em dobro a tutela da família e Estado, aspecto que restringe sua vida sexual, seu ciclo de relações amorosas e seu direito à maternidade.

O corpo humano é uma zona sem limites, potenciada para dar e receber prazer. Por que as pessoas com deficiência permanecem destituídas de viver plenamente sua sexualidade? O que está por trás dessa restrição social?

A quarta lição que a história de Stephen Hawking incitou foi que homens e mulheres com deficiência têm os mesmos direitos que qualquer outro grupo de terem uma vida sexual ativa, livre e sem discriminação. A decisão quanto ao tipo de relação, acordos sentimentais e escolha de ter ou não filhos são demandas que dizem respeito as próprias pessoas com deficiência. 

Para isso, é preciso investir em políticas públicas e ações conjuntas que coloquem em debate este tema, deem visibilidade aos grupos de pessoas com deficiência que já vêm desenvolvendo ou queiram produzir campanhas de conscientização, forneçam informação adequada e acessível sobre gênero, saúde e sexualidade com vista a prevenção de gravidez, doenças sexualmente transmissíveis e abusos sexuais, finalmente, abram espaços públicos formais e de lazer para que pessoas com deficiência possam trocar de experiências e conhecer outras pessoas que queiram compartilhar e viver juntas uma vida amorosa e/ou sexual.

Como percebemos, este é um filme para guardar em nossos arquivos valiosos e sempre que preciso revê-lo para refletirmos sobre a experiência da deficiência no contexto contemporâneo.

REFERÊNCIAS

BRASIL. IBGE 2010. Disponível em: < http://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/94/cd_2010_religiao_deficiencia.pdf >. Acesso em: 05 de jul. 2016.

CRUZ, M. H. S. Mapeando diferenças de gênero no ensino superior da Universidade Federal de Sergipe. São Cristóvão: Editora UFS, 2012.

DENARI, F.E. Adolescência & deficiência mental: desvendando aspectos de afetividade e sexualidade. In. 

MARTINS, A. R.S. et al. (Org.). Inclusão:compartilhando saberes. Petrópolis: Vozes, 2006.

FARIAS, A. Q. Gênero e Deficiência: Vulnerabilidade Feminina, Ruptura e superação. Dissertação (Mestrado em Educação) — Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa: UFPB, 2011.

FERREIRA, W. B. Invisibilidade, crenças e rótulos: Reflexão sobre a profecia do fracasso educacional na vida de jovens com deficiência. IV Congresso Brasileiro sobre Síndrome de Down. Família, a gente da inclusão. 09–11 de Setembro de 2004. Bahia.

OLIVER, M. 1983. Social work with disabled people. London: MacMillan. Disponível em: <http://www.icjp.pt/sites/default/files/media/723-1116.pdf>. Acesso em: 20 out. 2013.

ONU. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006).Disponível em: < http://www.assinoinclusao.org.br/downloads/convencao.pdf >. Acesso em: 03 jul. 2011.

SOARES, A. M. M. Nada sobre nós sem nós: estudo sobre a formação de jovens com deficiência para o exercício da autoadvocacia em uma ação de extensão universitária. 2010. Dissertação (Mestrado em Educação) — Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2010.




domingo, 11 de setembro de 2016

Jogos paralímpicos: de onde vieram e para onde vão?

Vamos conhecer a história dos jogos Paralímpicos???

As primeiras disputas entre atletas com algum tipo de deficiência aconteceram há mais de um século. Hoje, a Paralimpíada é um dos eventos esportivos mais importantes do mundo.

As primeiras disputas entre pessoas com deficiência de que se tem notícias datam de 1888. Elas aconteceram em Berlim, na Alemanha, onde clubes estimulavam a participação de surdos nos esportes. Mais tarde, lá pelos anos 1920, nos Estados Unidos, tiveram início atividades como natação e atletismo para atletas com deficiência visual. Mas foi somente depois da Segunda Guerra Mundial (19391945) que as competições ganharam força.

O NEUROLOGISTA LUDWIG GUTTMANN, 
ESPECIALIZADO EM LESÕES NA COLUNA, 
FOI O PIONEIRO DAS COMPETIÇÕES EM CADEIRA DE RODAS 
(FOTOS RAYMOND KLEBOE/GETTYIMAGES)
O embrião foi formado a partir de 1944, na Inglaterra. Como os métodos tradicionais de reabilitação não poderiam atender às necessidades de um grande número de soldados com deficiência, o governo britânico pediu ao neurologista e neurocirurgião Ludwig Guttmann que criasse um centro especializado em lesões na coluna, no Hospital Stoke Mandeville. Além de usar a fisioterapia no tratamento, o médico recorreu ao esporte para motivar seus pacientes, começando por arremessos 
de bola para exercitar os membros superiores. A iniciativa gerou aumento de resistência física e de autoestima. E foi ali que a reabilitação por meio do esporte evoluiu de recreacional para competitiva.

MARGARET MAUGHAN, MEDALHA DE OURO NO TIRO COM ARCO NOS PRIMEIROS JOGOS PARALÍMPICOS, EM ROMA (1960), PARTICIPOU DA CERIMÔNIA DE ABERTURA DA PARALIMPÍADA DE LONDRES 
(FOTO: BUDA MENDES/GETTYIMAGES)





Agora vamos aos fatos que levaram ao surgimento e ao crescimento dos Jogos Paralímpicos.


1948: lançados os Jogos de Stoke Mandeville. Enquanto acontecia a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres, em 29 de julho de

1948, Guttmann comandava a primeira competição de pessoas com deficiência. Dezesseis militares inscritos, entre homens e mulheres com algum tipo de lesão, participaram de um torneio de tiro com arco.

1952: a Holanda entra em cena. Militares holandeses foram convidados a participar dos Jogos de Stoke Mandeville, abrindo espaço para a primeira competição internacional para pessoas com deficiência. À medida que o esporte adaptado crescia, surgiam inovações para melhorar a vida dos atletas.

A Guerra Fria e a corrida espacial alavancam o desenvolvimento do plástico e seus compostos: espumas de plástico e fibras de vidro começaram a ganhar espaço em hospitais, centros de terapia e na confecção de próteses.

1958: o Brasil dá os primeiros passos no esporte adaptado
Após sofrerem lesão medular em razão de acidentes, dois brasileiros procuraram serviços de reabilitação nos Estados Unidos que incluíam a prática esportiva. Na volta, Sérgio Serafim Del Grande, de São Paulo, e Robson Sampaio de Almeida, do Rio de Janeiro, fundaram associações onde inicialmente era praticado o basquete em cadeira de rodas. São eles os precursores do esporte adaptado ou seja, a prática de uma atividade esportiva adaptada para pessoas com deficiência por aqui.

1960: enfim, Jogos Paralímpicos. Oficialmente com esse nome, eles aconteceram em Roma, na Itália, com 400 inscritos de 23 países, imediatamente após os Jogos Olímpicos.

1964: surge a Organização Internacional Esportiva para Deficientes (ISOD, na sigla em inglês). A entidade passou a oferecer oportunidades para todo tipo de atleta com deficiência com problemas de visão, amputados, com paralisia cerebral e paraplégicos.

1972: Brasil estreia em Jogos Paralímpicos
Aconteceu em Heidelberg, na Alemanha, com um grupo de 20 atletas homens, que terminou sem medalhas. Outras 41 delegações marcaram presença no evento. Nos anos 1970, teve início também a era da popularização do plástico – material leve e flexível – no desenvolvimento de próteses mais confortáveis e próprias para a prática esportiva.

1976: a primeira medalha brasileira, nos Jogos de Toronto, no Canadá. A dupla Luiz Carlos Costa e Robson Sampaio Almeida estreou no pódio, com uma medalha de bronze, em uma prova de lawn bowls (espécie de bocha sobre grama). A partir dessa edição, cegos e amputados também entraram nas disputas.

1980: a vez de atletas com paralisia cerebral. Eles começaram nos jogos da cidade de Arhnem, na Holanda. Participaram 125 portadores de paralisia cerebral, 341 com deficiência visual, 452 amputados e 1.055 cadeirantes.

1984: 22 medalhas para o Brasil. Na edição que teve duas cidades sediando os jogos Nova York, nos Estados Unidos, e Stoke Mandeville, na Inglaterra , o Brasil garantiu mais de duas dezenas de medalhas e terminou na 24a colocação no quadro geral de medalhas, com 7 ouros, 17 pratas e 4 bronzes.

1988: os Jogos Paralímpicos passam a acontecer na mesma cidade que os Olímpicos. Depois de várias edições com sedes diferentes, Seul, na Coreia, recebeu os dois eventos. E assim foi daí por diante.

1989: fundado o Comitê Paralímpico Internacional (IPC, na sigla em inglês). A entidade, sem fins lucrativos, nasceu em Dusseldorf, na Alemanha, com o objetivo de atuar como órgão dirigente do movimento paralímpico global.

1992: Barcelona, um primor de organização. Grande parte da cidade-sede foi adaptada para receber confortavelmente 3 mil atletas, independentemente do tipo de deficiência. Três atletas brasileiros tiveram performances memoráveis: Luiz Cláudio Pereira, no arremesso de peso, Suely Guimarães, no lançamento de disco, e a velocista Ádria Santos, que ganhou seu primeiro ouro ao vencer a prova dos 100 metros.

1995: fundado o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)
A entidade foi criada tendo como principal função consolidar o movimento paralímpico no Brasil, difundindo o esporte de alto rendimento para pessoas com deficiência.

1996: a prótese Flex-Foot Cheetah é usada pela primeira vez na Paralimpíada de Atlanta, nos Estados Unidos. De fibra de carbono material flexível e de alta absorção de energia e inspirado na pata do guepardo, o modelo passa a ser a sensação nas pistas de atletismo.

2000: quebrados 300 recordes mundiais e paralímpicos. O palco dessas conquistas foi Sydney, na Austrália. Nessa edição, o Brasil conseguiu sua melhor colocação em Jogos Paralímpicos até então, com 6 medalhas de ouro, 10 de prata e 6 de bronze, ficando em 24o lugar no ranking final. Começava a trajetória de conquistas de uma nação paralímpica.


TEREZINHA GUILHERMINA É UMA DAS ATLETAS MAIS PREMIADAS DA HISTÓRIA PARALÍMPICA DO BRASIL, COM MEDALHAS EM ATENAS, PEQUIM E LONDRES 
(FOTO ROBERT DAEMMRICH/GETTYIMAGES)

2008: brasileiro leva 9 medalhas na natação em Pequim. Daniel Dias conquistou 4 medalhas de ouro, 4 de prata e 1 de bronze.Outro grande destaque foi a velocista Terezinha Guilhermina, que garantiu o ouro nos 200 metros e a prata nos 100 metros rasos. No futebol de 5, o Brasil sagrou-se bicampeão paralímpico. Com 47 medalhas no total, pulamos para a 9a colocação no ranking mundial.

2012: novas conquistas em Londres. Cumprindo a meta estabelecida pelo CPB, sob a gestão do presidente Andrew Parsons, o Brasil saltou do 9o lugar no quadro geral de medalhas em Pequim para o 7o, com 21 ouros. Essa edição que recebeu 4.200 atletas de 166 países foi marcada pela épica vitória do velocista Alan Fonteles sobre o sul-africano Oscar Pistorius nos 200 metros da classe T44. Nas competições e no dia a dia dos atletas, as próteses passaram a se mostrar ainda mais eficientes e personalizadas graças à utilização do plástico em sua composição, garantindo leveza, design e beleza. As próteses são um exemplo de como o plástico pode contribuir para soluções que permitem maior acessibilidade e qualidade de vida.


Daniel Dias ganha o 1a. Medalha de Ouro para o Brasil 2012

2016: a hora do Rio. Os Jogos Paralímpicos são o maior evento de esporte de alto rendimento para atletas com deficiência. Apesar disso, são enfatizadas mais as conquistas do que as deficiências dos participantes. A cerimônia de abertura no Rio está marcada para 7 de setembro e a cidade quer entrar para a história recebendo 4.350 atletas paralímpicos, de cerca de 170 países, que vão disputar 22 modalidades.


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quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Jogos Paraolímpicos: os super-humanos...

Windyz Brazão Ferreira


Nós, pessoas sem deficiência somos tão limitados em termos de nosso entendimento sobre a diversidade humana que, mesmo com a vibração e a emoção que sentimos ao ver os Jogos Paralímpicos, não conseguimos mudar nossas crenças sobre as competências super-humanas das pessoas com deficiências... se elas tiverem oportunidades como qualquer outra pessoa para desenvolvê-las!!!

Triste para nós – pessoas sem deficiência - que perdemos a oportunidade de conviver, aprender e nos tornarmos melhores seres humanos porque ainda acreditamos que as pessoas com deficiência são incapazes. 

Agora, clique abaixo e se emocione assistindo ao vídeo incrível criado pelos britânicos sobre os super-humanos/as, os atletas com deficiência que dizem: - YES, We can!!! (Sim nós podemos!!!) 
Enquanto você assiste reflita se considera que poderia fazer o que esses atletas com deficiência fazem!

Há mais de 30 anos convivo direta ou indiretamente com crianças, jovens e adultos com deficiência e suas famílias, em particular suas mães – mulheres de garra e força interior.

Nesta longa jornada aprendi que pessoas com deficiência, independentemente do tipo de deficiência, são pessoas - seres humanos de muita luz que (eu acredito!) voltaram à terra para nos ajudar a nos tornarmos melhores seres humanos, mais iluminados porque se não fosse pelas pessoas com deficiência muitos movimentos, conceitos/princípios/valores e mudanças - que favoreceram também a outros grupos vulneráveis - não teriam acontecido.

Se não fosse, principalmente, pelas pessoas com deficiência...

- não teria acontecido a Conferência de Salamanca em 1994 na Espanha e a consequente publicação da Declaração de Salamanca (UNESCO 1994), que foi disseminada mundialmente,

- não haveria o movimento pela inclusão educacional, social e econômica de inúmeros outros grupos sociais que estavam invisíveis nas diretrizes internacionais e políticas nacionais no final do século passado, entre os quais, citamos, os negros, os indígenas, os ciganos, os que moram em áreas remotas e rurais, etc.,

- não teria sido criado um enorme corpo teórico (conhecimentos em vários campos científicos) sobre direitos humanos e o direito à participação de inúmeros grupos vulneráveis que devem estar incluídos nas várias esferas da vida,

- não se teria um movimento internacional sobre acessibilidade, conceito que beneficia inúmeros grupos sociais nas várias esferas da vida,

- não se teria um ampla discussão sobre a diversidade humana & as diferenças individuais que caracterizam a espécie humana e, portanto, nós todos/as teríamos menos desenvolvidas nossa humanidade, espiritualidade e mente,

- não haveria no Brasil uma Secretaria de Diversidade e Inclusão...

- não haveria a Paralímpiadas...

E, apesar de tudo, ainda acreditamos que as pessoas com deficiência são incapazes, incompetentes, não podem aprender... ainda acreditamos que as pessoas com deficiência devem participar das Olímpiadas separadamente.

Triste... muito triste!!! Será esta separação inclusiva?



Inclusão x Exclusão na Paralimpíada... o que está por traz da segregação dos jogos paralimpícos?


Jackeline Susann Souza da Silva
Universidad de Salamanca, Espanha

Tradicionalmente os jogos olímpicos, para equiparar as chances de competição, são organizados por critérios como gênero, faixa etária, peso, entre outros. A deficiência também é um critério levado em consideração na organização das competições. A grande diferença é que a deficiência é compreendida como um único critério que separa, segrega e desagrega os dois maiores eventos esportistas do mundo: Olimpíadas e Paralimpíadas.

Tradicionalmente, tal “separação” não é percebida de maneira negativa. Até aí, tudo bem! No entanto, é inegável que a Paralimpíada ainda não recebe a mesma atenção que a Olimpíada em termos de cobertura jornalística, visibilidade dos atletas e patrocínio. Inúmeras são as razões para isto acontecer.

Capacitismo

Até pouco tempo as pessoas com deficiência não eram ouvidas ou tinham oportunidades de participação na família, na educação, na comunidade, no mercado de trabalho, na vida política, etc. Embora este cenário esteja em processo de mudança (lenta) a exclusão das pessoas com deficiência ainda é, com frequência, percebida com naturalidade pela sociedade.

No entanto, esta percepção tem mudado com as conquistas de direitos e de reivindicações que tem como base os movimentos protagonizados pelas próprias pessoas com deficiência. Gradualmente, portanto, torna-se inaceitável por esta população aceitar sem protestar as posições sociais de subalternidade e de menos valia dentro das quais teimamos em colocá-las.

Mesmo com mudanças significativas, por exemplo, a conquista de um vasto marco político e legal que trata de inclusão e acessibilidade no Brasil, a cultura de capacitismo ainda é forte assim como o é o racismo e o machismo. 

Por isso, a Paralimpíadas deve constituir para nós um momento oportuno de revisão de nossas concepções negativas e capacitista sobre este grupo social cujos membros - as pessoas com deficiência - se tiverem oportunidades, chances de participação e apoio podem atingir mais realizações do qualquer um de nós já atingiu. 

Sim, eles podem (Yes, they can!!!), o problema é que ainda porque vivemos em uma sociedade que (infelizmente!), ao mesmo tempo, supervaloriza a não-deficiência e desconsidera diversidade humana e diferenças individuais quando se trata das pessoas com deficiência.

A concepção da humanidade baseada no capacitismo perpetua uma visão de padrões incluindo o de ´normalidade´. Assim, no imaginário coletivo, ´capazes´ são somente as pessoas que chegam próximos a esses padrões de normalidade na forma de apresentação de seus corpos, sua intelectualidade, beleza e virilidade, entre outras. É exatamente por isso que as pessoas com deficiência são pressionadas a diuturnamente demostrarem que são ´capazes´.

Mas é claro que são capazes senão como seriam super-humanos/as atletas maravilhosos/as e grandes campeões/ãs ?! Assista aqui o video Resumo da Paralímpiada - Brasil 2016  

Quando acontece um evento de grande proporção como a Paralimpíadas, percebemos o quanto ainda temos que caminhar para eliminar as formas de discriminação enraizadas na concepção capacitista, o quanto ainda precisamos mudar nossas concepções limitadas sobre as pessoas com deficiência e nos abrir para um universo de aprendizagem altamente enriquecedor para nossa vida e humanidade que é possibilitado pela convivência com as pessoas com deficiência e suas famílias.


domingo, 26 de junho de 2016

Dia 27 de Junho - Dia Internacional da Pessoa Surdocega

Windyz Brazão Ferreira


Meu envolvimento com a causa da pessoa surdacega é recente.

Tenho contato próximo com uma família paraibana que tem um filho de 24 anos surdocego e diagnosticado como ´autista´ (não sei como...). Conheci há pouco o colega Wolney Gomes Almeida, que defendeu sua tese de Doutorado O Guia-Intérprete e a Inclusão da Pessoa com Surdocegueira (2015) na Universidade Federal da Bahia e, mais recentemente, tive a oportunidade de me aproximar do Alex Garcia, por causa da bengala para surdocego que ele queria adquirir de uma organização espanhola. Eu estava em Salamanca e me coloquei à disposição para comprar e trazer a bengala para o Brasil. 

Enfim, o que quero dizer é que minha incursão nesta área era (e ainda é) muito superficial como, certamente, ocorre com a maioria de nós comprometidxs com a inclusão da pessoa com deficiência.

Consciente desta limitação na minha ação como acadêmica e militante na área de Direitos da Pessoa com Deficiência, compreendi que deveria fazer algo nessa direção. Assim fui atrás de informações e sistematizei um pouco desse conhecimento a seguir:

Estudos e literatura sobre surdocegueira são muito escassos no Brasil...

Cito a seguir uma parte da tese do professor Wolney G. Almeida (2015), da Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC que evidencia a necessidade de estudos e publicações de qualidade na área de surdocegueira:

´A surdocegueira tem se apresentado como um tema ainda pouco explorado na literatura especializada brasileira, quando comparada aos outros tipos de deficiências. Durante muito tempo, a perda sensorial da visão e audição, concomitantemente, caracterizou-se a partir dos aspectos da múltipla deficiência e não a partir da compreensão de uma deficiência específica, com características e especificidades peculiares.  Segundo Bertone & Ferioli (1995), há informações sobre um levantamento de pessoas com deficiências visuais e que apresentam outra deficiência concomitante, estimando-se um total de 135 indivíduos apenas nos países latino americanos. Estudos realizados pelo Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial, mostra um número de 783 pessoas surdocegas identificadas até o momento.  (ALMEIDA, 2015, p. 26)´

Alex Garcia me enviou um email com seu texto sobre a ´Surdocegueira Didática´, com o objetivo de nos ajudar – acadêmicos - a compreender, de forma incipiente, o que é esta condição humana que ainda requer a produção e disseminação de muito conhecimento e informações:


Surdocegueira Didática

Em Surdocegueira devem ter claro algumas questões específicas e básicas. Primeiro vocês devem saber quem são os surdocegos: são 2 grupos. (1) surdocegos pré-simbólicos e (2) surdocego pós-sombólico.

     (1)    Os surdoscegos pré-simbólicos são os que adquiriram a Surdocegueira antes da estruturação da língua - didaticamente são os surdocegos congênitos. (leia mais sobre este tipo de surdocegueira clicando aqui http://www.agapasm.com.br/artigo004.asp
     
     (2)    Os surdocegos pós-simbólicos são os que adquiriram a surdocegueira depois da estruturação da língua - didaticamente são os surdocegos adquiridos.

Classificação:
·       - Cego com baixa audição
·      -  Surdo com baixa visão
·       - Baixa visão e baixa audição
·       - Surdocegos totais

Os surdo com baixa visão, os cego com baixa audição, e aqueles com baixa visão e baixa audição, são extremamente "invisíveis" na sociedade. Estes casos "empurram e são obrigados a empurrar com a barriga" a questão até chegarem ao ponto extremo - e "empurrando" perdem precioso tempo para aprender e se desenvolver e agora no "extremo", a vida é bem mais complexa. São mais ou menos estes, os surdocegos. Isso quer dizer que nem sempre é total a escuridão e total o silêncio. Podem haver resíduos, mesmo que baixos. Muitos são assim, com resíduos, mas escolheram fugir do problema e, fugindo, eles entraram no buraco. O ideal é enfrentar o problema e ir se adaptando continuamente.

Conceito de surdocego:

O surdocego é aquela pessoa que não compensa um sentido pelo outro. O que quero dizer com isso? Vejamos um cego, como ele compensa a cegueira? O cego compensa a cegueira porque ele escuta perfeitamente bem. Como um surdo compensa a surdez? Ele compensa a surdez porque enxerga perfeitamente bem. E como faz o surdocego para compensar a surdez e a cegueira? É aí que está toda a questão, na compensação. Embora o surdocego possa ter resíduos, estes não compensam a perda do outro sentido em sua totalidade. Por exemplo, um cego com resíduo auditivo tem falhas na compensação. Um surdo com resíduo visual tem falhas na compensação. Uma pessoa que tem resíduo auditivo e resíduo visual tem falhas na compensação.

Isso é ser uma pessoa surdocega. Mas, em nosso país isso raramente é visto, é levado em conta. Vocês podem refletir que temos milhões de surdocegos no Brasil. Mas, nem mesmo estas pessoas sabem que são surdocegas. É uma situação muito complicada a que vivemos no Brasil. Situação que se agrava pela inexistência de Politicas Públicas que colaborem com nosso desenvolvimento. 
(Msg recebido por email no dia 22/06/2016.)
            
Uma vez apresentado estas informações relevantes, fui buscar dados sobre o que acontece internacionalmente com relação às pessoas surdocegas. Encontrei um doc do Banco Mundial sobre a 

The World Federation of the Deafblind  

The World Federation of Deafblind People (Federação Mundial de Surdocegos), fundada em 2001 e é

´uma ONG mundial sem fins lucrativos. [Hoje possui 75 organizações filiadas de 62 países - http://wfdb.eu.sitebuilder.loopia.com/about-wfdb ) É uma organisação de pessoas surdocegas e a voz legitima das pessoas surdocegas no mundo. O trabalho para as pessoas surdacegas ainda é incipiente e somente durante os últimos 10-15 anos que este grupo social teve sucesso em  criar um perfil único e apreciar o crescent entendimento dos problemas específicos que resultam da surdocegueira.

O objetivo da FMSC é melhorar mundialmente a qualidade de vida das pessoas surdocegas e, uma das atividades mais importantes assumida pela Federação é a identificação das pessoas surdocegas a fim de quebrar seu isolamento.   

A Federação também tem como objetivo disseminar informações sobre sudocegueira e sobre serviços que estas pessoas necessitam a fim de terem uma vida independente. Adicona-se a estes objetivos a luta da Federação por conseguir que a surdocegueira seja reconhecida internacionalmente como uma deficiência única.´

Contato com a World Federation of Deafblind People
President: Geir Jensen  c/o FNDB
Sporveisgata 10 N-0354 Oslo  Norway (Noruega)
Phone +47 22 93 33 50+47 22 93 33 50
Fax +47 22 93 33 51   E-mail geir.jensen@fndb.no


E, no Brasil, o que está acontecendo com a população de pessoas surdocegas?

De acordo com o site do Planeta Educação, um breve histórico do movimento das pessoas surdocegas é apresentado por Alex Garcia  

‘Nosso tempo permite um breve relato desta história. A primeira criança Surdocega que foi educada com sucesso foi Laura Bridgman que entrou no Instituto Perkins1 (EUA) em 1837. Mas ainda, mais afável experiência foi proporcionada à humanidade por Anne Sullivan, professora surda e não menos notável aluna Helen Keller2 que estudou na Perkins por muitos anos. Como podemos notar, a Educação Surdocegos nasceu nos EUA, consequentemente, hoje em dia, há mais portadores de Surdocegueira sendo educados e reabilitados neste país que no restante do mundo.

De acordo com Kenmore (1977), os programas para Educação de Surdocegos na Europa tiveram seu início na França (1884), seguindo-se na Alemanha (1887) e Finlândia (1889). Convém destacar que, em cada um destes locais, o número de alunos era muito pequeno. Em 1977, foram catalogados apenas 350 Surdocegos em atendimento em 13 países.

A História da Surdocegueira no Brasil tem início em 1953 com a visita da já mundialmente conhecida Helen Keller (Soares, 1999). Esta visita sensibilizou uma grande personalidade, que anos mais tardes seria nacionalmente conhecida por seus esforços. Trata-se da Educadora Nice Tonhozi Saraiva. Saraiva, já trabalhando na Educação de cegos no Instituto de Cegos “Padre Chico” em São Paulo dedicou-se também a Educação de Surdocegos a partir de 1962 quando tão logo voltou dos EUA. Ainda em 1962, fundou a SEADAV – Serviço de Atendimento ao Deficiente Audiovisual. Em 1963, por intervenção do estado a SEADAV foi transferida de São Paulo para São Bernardo do Campo. Em 1968, a SEADAV passou a se chamar ERDAV – Escola Residencial para Deficientes Audiovisuais. Em 1977, para garantir maior autonomia da escola, foi novamente alterada e passa a ser chamada de FUMAS – Fundação Municipal Anne Sullivan, que ficou sendo a mantenedora da Escola de Educação Especial Anne Sullivan, que funciona até os dias de hoje. 1 - Instituto Perkins para cegos, Waltertown, Massachusetts, EUA. 2 - Keller, considerada nos tempos atuais a mais surpreendente Surdacega de todos os tempos.

Clique aqui para acessar o texto na íntegra. Leia princípios orientadores para a educação de surdocegos ou vá direto no site da Agaspam


Organizações e Sites sobre Surdocegueira






Contatos telefônicos:

Grupo Brasil de Apoio ao Surdocego e ao Múltiplo Deficiente Sensorial:
(11) 5579.5438 ou 5579.0032. (São Paulo)
Abrasc: (11) 3342.2108 (São Paulo)
Adefav: (11) 3342.2108 (São Paulo)
Ahimsa: (11) 5579.5438 (São Paulo)
Abrapascem: (11) 5083.2721 (São Paulo)
Escola Anne Sullivan: (11) 4220.3638 (São Paulo)
Instituto Benjamin Constant: (21) 2295.2543 (Rio de Janeiro)

Centrau: (41) 345.9844 (Paraná)


Agaspam (51) 33521519 (Rio Grande do Sul)