terça-feira, 8 de março de 2016

O Dia Internacional da Mulher: algumas considerações sobre violências contra mulheres com deficiência

Anahi Guedes de Mello

Antropóloga, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora vinculada ao Núcleo de Identidades de Gênero e Subjetividades e ao Núcleo de Estudos sobre Deficiência (NIGS/NED/UFSC). Tem experiência em Estudos sobre Deficiência, desenvolvendo pesquisas sobre gênero e deficiência, sexualidades, violências contra mulheres com deficiência, acessibilidade e tecnologia assistiva.


Em uma pesquisa envolvendo as percepções da opinião pública em relação aos direitos humanos das pessoas com deficiência no Brasil, Debora Diniz e Lívia Barbosa afirmam que “embora as pessoas reconheçam a discriminação existente contra indivíduos com deficiência, não a traduzem sob a forma de violência ou maus-tratos” [1]. Prosseguem as autoras alertando que “em uma lista com oito tipos de violência, apenas 5% das pessoas responderam que a violência contra pessoas com deficiência deveria ser combatida em primeiro lugar”.

Duas hipóteses explicam esse resultado: “ou esse fenômeno inexiste na vida cotidiana das pessoas deficientes e de suas cuidadoras, ou a subnotificação impõe uma regra perversa de silêncio. O fato é que inexistem dados sobre a magnitude da violência contra deficientes no Brasil”[idem]. Sustentam que uma possível explicação para a pouca relevância dada a pesquisas sobre esse tema no Brasil se deve ao fato do debate público e midiático da agenda da deficiência se concentrar nas necessidades de saúde, transporte e trabalho. Para elas, as violências contra pessoas com deficiência se mantêm na esfera privada, não sendo percebidas como uma questão de direitos humanos. E os poucos estudos localizados apontam a violência doméstica como o tipo mais frequente de violência praticada contra esse segmento. Entretanto, do ponto de vista da interseção entre gênero, deficiência e violência, os poucos estudos nacionais, amparados por referências internacionais, evidenciam o argumento da maior vulnerabilidade de mulheres com deficiência a sofrer violências na esfera doméstica e familiar.

Os dados analisados comprovam a tese de que são essas mulheres as mais vulneráveis a sofrer abusos, maus-tratos, lesões, abandono e negligências por parte de familiares e agentes estatais. Contrariamente ao apontado na mídia e em publicações feministas sobre violência doméstica contra a mulher no âmbito conjugal, em que a dependência financeira e emocional são os principais motivos pelos quais as mulheres desistem de denunciar seus agressores, a maioria homens, nas violências contra mulheres com deficiência, a questão da independência financeira fica em segundo plano, pois a primeira pergunta que emerge é: “Quem vai cuidar de mim?”. Essa “rede de cuidados” geralmente inclui pessoas de sua rede de parentesco, majoritariamente mães, pais, irmãos, irmãs, filhos e filhas que, em maior ou menor grau, cuidam ou deveriam cuidar da/do sua/ seu filha/filho, irmã/irmão e mãe/pai com deficiência. Também podem envolver a participação de profissionais das áreas de saúde ligadas ao cuidado (principalmente Enfermagem, Mastologia e Ginecologia).

Desse modo, as violências contra mulheres com deficiência não ocorrem majoritariamente no contexto das relações conjugais (por exemplo, marido contra mulher em uma relação heterossexual), mas têm mais proximidade com os debates envolvendo a violência doméstica contra pessoas idosas, justamente porque ambas canalizam o contorno dos corpos com impedimentos que necessitam da assistência de longa duração para desenvolver, potencializar ou manter suas capacidades básicas.

O presente texto se baseia em minha dissertação de mestrado em Antropologia Social pela UFSC, defendida em fevereiro de 2014 sob o título “Gênero, Deficiência, Cuidado e Capacitismo: uma análise antropológica sobre experiências, observações e narrativas sobre violências contra mulheres com deficiência”.

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[1] DINIZ, D.; BARBOSA, L. Pessoas com Deficiência e Direitos Humanos no Brasil. In.: VENTURI, G. (Org.). Direitos Humanos: percepções da opinião pública – análises de pesquisa nacional. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010. p. 211. 3) Diniz e Barbosa, loc. cit 

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Disponível: http://www.pessoacomdeficiencia.gov.br/app/sites/default/files/arquivos/%5Bfield_generico_imagens-filefield-description%5D_100.pdf 

Para conhecer mais sobre o campo dos Estudos sobre a Deficiência no país e Anahi G de Mello, assista ao vídeo abaixo:





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